sábado, 18 de dezembro de 2010

somos de emoções

a cabeça saturada de fumo e de cansaço.
o corpo tremente.
inventar milagres para não cair.
aguenta-te mais uns dias.
depois podes visitar o sono.

tem sido um ano de doidos, este do regresso. aguenta-se porque se trabalha para o futuro, constrói-se o futuro. pela primeira vez na vida penso no futuro. tenho sido tão parvo tantas vezes. impulsivo demasiado. num grau zero de inconsciência. tenho pouco dinheiro e isso parece não importar agora. não preciso de comer, preciso é de dormir. queria ficar dois dias sem pessoas. fazer uma cura de silêncio. dói-me demasiado a voz. estou contente mas exausto e os próximos tempos adivinham-se selvagens. selvagens de emoções e de trabalho.
está o desabafo feito.

domingo, 12 de dezembro de 2010

a bomba do dia

os current 93 vão fazer a banda sonora da minha próxima encenação!!!

sábado, 11 de dezembro de 2010

dias passados em telefonemas e em projectos e em mails e papeladas e loucuras. os dois próximos anos vão ganhando forma. finalmente poder fazer planos de endireitamento da vida!!! o espectáculo que vou encenar vai ganhando contornos loucos. um bom grupo de actores. um bom cenógrafo. o josé carretas a escrever. e... e... e... a grande loucura: a possibilidade de os current 93 fazerem a banda sonora!!! só a possibilidade já me deixa num estado de excitação mental que enfim... poderão imaginar!!! este fim de semana já se encerra o assunto. fogo. aguardo as respostas com o coração a tremer. aqui fica o desabafo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

apontamento fragmentado. as criaturas.

o político:

ou ganhas ou não ganhas. as derrotas fazem parte do jogo. alimentam as vitórias. o poder é virtual para os fracos. mesmo na sombra crescem as garras. um dia inventaram a ilusão da necessidade. os abutres chegaram e comeram os despojos. já um dia fui um homem. depois comecei a subir degraus frenéticos numa vontade ruidosa. até me perder. até me perder para sempre no meio de olhares burocratas. de vozes tecnocratas. de cabeças falocratas. quando lhes era útil o sol sorria-me. as imagens que valem tanto como não sei quantas palavras. imagens que se vendem como índices de confiança e de ambição. limpei muitas latrinas para ter chegado onde cheguei. lambi muitas solas de sapatos. comi muitas mulheres escondidas em compartimentos secretos de homens importantes. o caminho para a glória. quem inventou este jogo genial e pornográfico chamado democracia merece uma estátua na eternidade. conseguiu mostrar que era possível a fome de muitos com a manutenção de poucos e com a monopolização de quase todos. silenciados num acto mínimo e insignificante. o voto. nunca se tinha chegado a um ponto tão absoluto do silenciar das consciências. a maioria que resolva. a maioria que habita nos camarotes presidenciais da hipnose. já um dia fui um homem. depois corri pelo vento com a visão fixa num ponto do qual não há regresso. começaram as máquinas a ditar o meu discurso. o meu discurso que era uma massa de slogans fragmentados. matematicamente certeiros. como tiros concentrados.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

apontamento. as criaturas.

- para onde vais?
- agora?
- sim.
- para um lugar distante.
- porquê?
- porque acredito na liberdade e blablabla.
- é um direito. mas sabes que não podes viver sozinho.
- eu não vivo sozinho.
- não?
- não. tenho as minhas vozes.
- vozes? que vozes?
- posso chamar-lhes fantasmas.
- os fantasmas são ligações mal resolvidas do passado.
- os fantasmas são um instrumento para a resolução do futuro.
- como assim?
- sento-me num café de gente alheia. passado um pouco começo a centrar-me nas línguas estrangeiras dos outros. passado um pouco desligo-me para não me massacrar com a vulgaridade envolvente. passado um pouco vou-me embora.
- pensas que és especial?
- não. detesto reconhecer-me nos outros.
- para onde vais então?
- para onde não me descubra.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

gosto disto.

para onde caminhava? silencioso na essência vaga da carne ferida, coberto por uma qualquer couraça de vinagre e solidão. desfilava pelas pedras com o casulo de ar por cima das costas que lutavam para contrariar o sentido do chão. uns dias eram armadilhas, mas não seriam todos? não seriam todos um oceano distante de vidas em sobressalto, carregadas de um tempo maquinal? alguém dizia rindo: o que se procura sempre é a felicidade! depois dessa afirmação mágica soltava gargalhadas e explicava o reduto condicionante dessa felicidade, eram coisas, visitas, imagens de vidros brilhantes, fugas. eu não dizia nada, queria tão pouco, queria só poder viver aquele momento ínfimo debaixo da chuva, poder sorver a água no canto da boca e sorrir, sorrir milagrosamente com a boca molhada pela liberdade. a questão era o caminho que se fazia, ia vendo o futuro cada vez mais caleidoscópico, cada vez mais não linear, cada vez mais fragmentado. o corpo ressente tudo isso. a cabeça também. os outros também. tinha aquele punhado de gente que era minha. que é minha. que é minha porque também eu lhes pertenço. o tempo esmaga-me com uma claridade musical. danço em círculos de desatenção e de caos. mergulho distante. talvez nada possa fazer. já me disseram que a minha vida era impossível. já lavei essa frase. quando me provarem as possibilidades que o mundo lhes mostra diante dos olhos, aí sim, baterei continência à sua grande verdade reduzida. chega de falar de fantasmas, a fase não é essa. a fase é criativa. a fase é de experimentar a própria fase. chega de lutos sinuosos por pedras bicudas. decisões. decisões. acção. sugar o conhecimento que o mundo carrega. sugá-lo com orgulho. não perder tempo. correr. correr. de vez em quando vai-se contra algum objecto mais ou menos cortante mas é mesmo assim. qual é a piada de andar em rectas?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

24 de novembro. greve geral. porto.

estava pouca gente no centro da cidade. estava frio. era uma espécie de domingo e ao domingo quando está frio as pessoas gostam de casa. muitas coisas abriram as portas para manter a economia viva e a conta sobrevivente. era provavelmente um dia que poderia ficar para a história... mas o problema do frio. não é por acaso que as revoluções são filhas do bom tempo. deu vontade de participar na ruptura e fui para o centro. com a ilusão da mudança. mesmo com umas imagens de poesia a circular-me na cabeça enquanto me dirigia para o centro. maldito frio. o centro estava inanimado. umas pessoas com uma revolta irónica e completamente inofensiva desfilavam tantans de outros tempos. era uma espécie de desfile teatral foleiro e surrealista. com uma política de pacotilha a armar ao cagalhão intelectual e maldito de um certo estilo de literatura. ficou-se ali numa clareira no meio da meia dúzia. estava mesmo frio. estava frio e a massa humana não aquecia. pior. também não arrefecia. nada a acrescentar. como há quem saiba que o povo tem certas tendências carneirísticas e primeiro matar a fome e só depois fazer a revolução... nem a massa humana que estava contra o sistema aquecia a alma e nem a massa humana que defende o sistema compareceu. um mísero carro de segurança escolar com dois agentes fardados. um carro parado ao pé de um banco com três agentes fardados. nada mais. nem uma caganita de crédito o sistema dá a estas manifestações de quase afecto rancoroso. com uns tantans de fundo e uns slogans esbatidos e envergonhados com umas siglas irónicas e outras palermices que tais. impossível para mim perceber uma coisa. como é que não há jovens a fazer revoluções? a classe estudantil não compareceu. o tal famoso operário também não. esta espécie de domingo de inverno que se vivia não me conseguia alegrar minimamente. na noite anterior tinha sonhado grandes frases. ali apresentava-se-me o fantasma cadavérico do imutável. a decomposição vivida em tempo real desta forma de luta. para defender o meu pensamento disse-me a mim mesmo: espero que em lisboa tenha sido diferente. nada de extraordinário ouvi nas notícias. como se uma paragem fosse extraordinária. como se a solução fosse económica. como se a solução não passasse por uma mudança radical no conceito de ser humano. porque se vive no país que defende que a desunião faz a força. porque o país sou eu. e tu. e todos. que país? o que é um país senão a sua riqueza humana? sei lá eu de sistemas económicos... não há nenhum que funcione. só a abolição é contrária ao suicídio. e talvez a guerra seja melhor do que esta paz armada. esta paz conformista que permite que nos cansem a cabeça e nos matem o corpo com as suas ninharias de fato e gravata. com as suas fotografias. com os seus títulos de jornais. como se o universo imenso parasse por uma senhora alemã carregar no botão. ou um senhor francês. ou um senhor inglês. ou um senhor norte-americano. porque nós somos escravos silenciosos de uma ilusão da necessidade. não é o capitalismo sobrevivente que faz movimentar o universo. os domingos de frio e o resto dos dias da semana já me dão asco. as imagens da farda dos fatosgravatas já me dão asco. as frases que o mundo gasta com os discursos dessa gente já me dão asco. este sistema dá-me asco. a máquina exterior do mundo dá-me asco. os tantans do sobrevivente que manifesta o seu afecto rancoroso dão-me asco. os senhores que sabem que a malta é serena dão-me asco. abominei completamente este dia. que raio de tempo inútil que gastei no centro da cidade. que raio de frio. a conclusão: este país tem o que faz por ter. e isso dá-me um tremendo e insuportável asco.

peter christopherson. 1955 - 2010.

vivia dentro de uma explosão
numa prisão
implacável ao sonho
ócio
sacrificado
no desenrolar múltiplo
através de perspectivas
silenciosas
mega-mínimas
descendente de enigmas
ventos secos
atitudes
um homem ria
na fantasia abstraccionista
do vazio eminente
da ruptura de si
ele
mesmo
explosivo na essência
o problema era o resto
que atacava caninamente
a carne
revirada sobre areia
com canções assassinas
canhões reprodutivos
imagens fantasmagóricas
nas janelas meninas
dos olhos
quase profundos
profundamente
melancólicos

terça-feira, 23 de novembro de 2010

24 novembro

o que se procura agora? muito simples. preparar um espectáculo sobre o suicídio no meio rural. trabalhar mais uma vez os limites do ser humano. uma família do interior, com os seus dois filhos (filho e filha), com um terrível segredo que a mulher carrega sobre os ombros, uma paternidade adulterada do filho mais velho, fruto de uma relação antiga com um amante com o qual o homem disputa um poder de terra. temas principais: solidões, sexualidades, poderes sociais, estatutos, ligações humanas, transição de valores, etc's... uma super equipa que se vai reunindo. poder encenar um texto escrito a meias com o senhor josé carretas, ter uma companhia a produzir loucuras, trabalhar que nem um escravo para um ideal maior. às vezes é tudo assim, é preciso abdicar da vida para bem de um ideal maior, o teatro é talvez o último reduto, o teatro e o amor. se tudo correr bem... no próximo ano faz-se o balanço do regresso ao país, espera-se que não tenha sido em vão. o dinheiro é pouco e os meios são escassos. pensa-se muito em salvações sem que o corpo e a mente se vendam por nada, a dignidade não se vende, o sentido tem um valor incalculável. reflectir sobre o espectáculo de alpedrinha... tanta coisa para melhorar, ainda a bomba real estará para criar, um esboço de uma possibilidade. o que é preciso? a palavra que mais pode definir o teatro: compromisso. só com compromisso se chegam a absolutos. pena é os absolutos serem tão efémeros que ninguém lhes dê valor. estamos num mundo demasiado confortável com o seu caos para que se comece a procurar a verdadeira e urgente ordem. qual o objectivo do teatro numa sociedade que se esmaga como a um insecto? que se esmaga num suicídio de aparências e de luxos inócuos? qual a força concreta do teatro? qual a força motivadora do actor militante do humano? urge o tempo. urge a vida.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

as imagens mentais eram carregadas como troféus macabros. um homem fazia uma estranha dança antes da cópula. tornava-se inocente. ínfimo. depois crescia na sua atrocidade enquanto entrava. a mulher recebia-o desperta. se o sexo fosse duro a mulher cortava-lhe a orelha com os dentes. já tinha acontecido a alguns. heróis internos que tinham o seu tempo e as suas vozes. as pedras lá se transportavam de lugar para lugar. um dia chegou-se a uma casa coberta por insectos rasteiros. o homem e a mulher estavam descalços. o som foi crepitante e uma espécie de saliva quase sólida recolheu-se entre os dedos dos pés.
tremendamente aborrecido com isto tudo.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

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sexta-feira, 12 de novembro, músculos, alpedrinha, 22h. apareçam!!!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

as armas guardadas num canto húmido da boca. rasgada.
os homens com os seus casacos de cinza. rastejam sobre o fogo.
a guerra ímpia acrescenta um som à fome. democracia.
são as máscaras políticas da atrocidade. pulhas.
um trouxe um saco de vaidade. era uma guilhotina camuflada.
tinha uma filha sem cabeça nas mãos. pornografia.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

as coisas começavam lentamente a desaparecer debaixo dos pés gigantes. era um homem de barro. projectava visões que abrangiam distâncias magníficas. gritava a várias latitudes o pensamento em mudança da sua consciência cancerígena. havia algo que lhe tremia na voz. voz quebrada no movimento imediato da sua construção. o olhar negro. diziam que tinha uma colecção de selos marginais. que rompia lágrimas. que cavava sulcos no rosto. que a sua vergonha era demasiado interna para que fosse interdita. um poeta de poesia nenhuma. que não defendia o mundo. que não defendia a terra. e as coisas lá lhe iam desaparecendo com uma lentidão de atrocidade debaixo dos seus pés gigantes. sentia muitas vezes a raiva a ranger-lhe nos dentes. conhecia o sentido canino da guerra e era o que o alimentava. uma vocação animal. sentido aturdido e sem memória concreta. que palavras haveria de escrever depois de morto? como se os números pregassem partidas à miséria. haveria de começar a perfurar-se com combates loucos e no meio de incêndios incríveis. resto. zero.

quase a saber quando.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

sonhava coisas estranhas. uma vez tinha perdido o chamado céu da boca. gosto do nome. céu da boca. tinha-me caído. andava cheio de vergonha com a boca fechada e escrevia papeis para que os outros lessem. este sonho era sintomático da minha realidade. tinha perdido a voz. ninguém me ouvia. acho que nem eu me ouvia. inventava monólogos e melodias por dentro da cabeça mas sabia perfeitamente da minha incapacidade de os desbloquear. ganhava as minhas guerras assim. imaginava as mais belas tácticas de combate. criava os mais belos discursos sobre a vida e sobre o mundo. tudo numa espécie de silêncio em que a queda do céu da boca me tinha mergulhado. depois acordei. levei a língua ao céu e ele estava lá. tal como o meu silêncio.

domingo, 24 de outubro de 2010

e um dia vieram os pássaros distantes deitar fogo ao meu caminho. a alma não estava guardada e a aventura abria-se luminosa diante do corpo. noutros lugares diziam-se revoltas programadas. leituras inocentes de rebeliões mascaradas de fugas. a atrocidade é um sentido geral do fracasso. a mãe de um caiu sobre as pedras e não tornou a ver-se em espelhos. as proibições eram antagónicas. buscava-se alimento nos caixotes de fome. uma cidade deserta debaixo dos pés. correr sem escorregar em ruas molhadas. tomar banhos de chuva. mudar a respiração para uma casa em ruína e ir reconstruindo a vida aos poucos. já se merecia um pouco de silêncio. mas o fumo parece um inimigo constante e perverso e não deixa o sono vir descansar no meu pescoço. uma lágrima passeou depois do rosto. fez um pequeno mapa ácido. rosto peito chão chuva. coisas deixavam de ser coisas enquanto brincávamos. brincámos pouco. o mundo exigia vozes fortes e corpos gigantes. o poder enojava-me. o dinheiro trazia matéria morta das entranhas. afinal o que se procurava? de que lado estava o horizonte cheio de névoa e brilho? com as labaredas de um futuro cheio de paixão e de vida? de que lado estava o eu? o que era o eu? mera máquina funcional num sistema de máquinas enormes que sugavam tudo. que sugavam toda a força mínima que o corpo conhecia. começaram a vir linhas amarelas. as estradas deixavam a sua continuidade cortada. não se propagavam. chegava a noite e o olhar insistia-se baço. os fogos do mundo ardiam loucos. as pessoas ardiam loucas. explosivas. sonoramente brutas. às golfadas de sexo e profanação. comia-se com as mãos sujas do poder mesquinho do umbigo carunchoso. o carnaval já não era mais do que um crime maligno. a regra do lucro dizia silêncio e o silêncio instituía-se. os habitantes perdiam uma espécie de olho da consciência. lutavam. uns contra os outros ou contra si próprios. não fixavam um inimigo comum. implodiam. esqueciam-se de si. mortos vivos que provocavam a derrocada da sua carne por uma moral inócua. televisiva. uma vez uma mulher chegou com a falcatrua dos documentos. ela percebia dos documentos. a sua voz tremia na segurança que os documentos lhe davam. fixava os olhos do mundo com um mistério animalmente sombrio. a minha cabeça. a minha cabeça nas pedras. as pedras que de repente se tornavam vidros coloridos cheios de metáforas e frases feitas. tenho inquietações de fuga. fumo. cinzento na pele. obscuro no cérebro.
tanto tempo passou desde a última vez. se pudesse parar o mundo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

resumo alargado dos dias de cinza

uma conspiração do caos que se te entranha pelos ouvidos adentro
as vozes trazem mel e venenos
carregam-se como máscaras distantes que pisam os ombros
maldito corpo estrangeiro que pareces não te reconhecer em lado algum
um dia a sombra é fria e noutro embala-te carinhosamente
imagens no movimento sinuoso
imagens de reflexo
antíteses
quisto que se desenvolve na língua e que escurece o pensamento
as vozes de tinta que se espalham através dos ouvidos
ensurdecedoras no seu absurdo
o estar solitário como uma condição alheia
a revolta revólver
bombas bombas bombas
parlamentos que ardem diante dos olhos de multidões enfurecidas
bocas raivosas
olhos de sangue
corpo estrangeiro que sonha violências
multidões de fome
cabeça que explode
demasiado lentamente

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

o rosto continuava prisioneiro da sua ilusão. nada havia a fazer. o corpo tinha acabado de sair da sombra volátil da idade. tudo se tinha resolvido. mas nestas coisas de bem e de mal nunca há absolutos. nas noites de fogo o carácter larvar da carne sobrepunha-se ao pensamento. eram noites de podridão saturada. o rosto consumia-se desalmadamente para conseguir respirar, para se conseguir soltar de armaduras mentais. fogos no interior líquido do cérebro. e se de repente o mundo se abrisse para que as crianças descobrissem o núcleo vermelho da vida... quando se caminha pelas ruas e há quem se torne num bicho de labaredas de sangue, contra os carros, contra as paredes, no chão imundo das cidades. quando se solta o grito pornográfico do outro que nada vazio no seu leito da vida. os animais respiram a tranquilidade saloia dos salões de baile. mulheres e homens com cabeças de cão trazem bandejas com as mais finas iguarias. espalham a comida sobre as tetas e sobre os pénis. começam com rituais frenéticos e obscuros até que a espuma chegue à boca. espuma que deixa o chão peganhento. o rosto apropria-se da sua prisão. alucina festins em tons de ouro e de sangue. uma ou outra lágrima furtiva se dirige para a terra. nada de música nesta imagem de miséria.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

depois vinham com mãos leves e sujas de cinza. queriam voltar a tocar-te. o vento empurrava esse pó descolorado para longe dos teus olhos. havia ainda algo que ardia mas que rapidamente era esquecido. ou escondido. ou que funcionava como um eclipse. a fugacidade do futuro era tão habitada pela instabilidade que não se sabia nem se dizia nada. uns rastejavam como seres de estranha superioridade diante do teu corpo. diziam eu eu eu eu eu eu eu eu. os olhos e os ouvidos já se desligavam desse lado absurdo. vinha o fumo e a bebida. o amor chamava-te na distância miserável dos dias. por vezes uma voz escutava-se como se fosse uma linha de uma rua. andava-se nela. viajava-se numa esperança sonora dominada por um secretismo de atrocidade. tinha ódio a palavras. as mãos tremiam nas noites e vinham acompanhadas de uma transpiração fria. filmes para conseguir dormir. correr na rua. roubar conversas a alguém como se isso fosse uma condição final de sobrevivência. quem estaria escondido do outro lado do espelho? alguém te olhava com a mesma realidade essencial e defendida a todas as horas? quem és? a pergunta tornava-se num ruído de água e de saliva que divagava no espaço por cima da cabeça. o nada mental. talvez menos. uma corrente silenciosa que tinha roubado a forma do corpo diante dos seus olhos carnívoros. algo se passava de estranho e milagrosamente inconsequente. algo se passava. a luz deslizava suave mas com as mãos e a boca num outro sexo musical e nada fazia nada. ninguém impedia a guerra. ninguém se revoltava contra tamanho crime. normal. os ecrãs tornaram as pessoas objectos da vontade. o mundo remeteu-se ao carácter silencioso do crime perfeito. um pai disse isto é o meu sangue. os filhos defenderam o mesmo rumo feito de merda e líquidos belicosos. a mãe era tão desnecessária que nem é para aqui chamada. mãe de cinza. consumidora de páginas de respirações vazias. carburadora subtil de mentiras e abstracções. ele lá se ia desenrolando como a carne nos mercados urbanos. carne ignorante e saturada dos sonhos e congelada como a melancolia da idade passada. alguém trouxe uma carta a dizer que o crime era uma opção coerente da vida. as trombetas e os tambores tocaram marchas. os olhos puseram-se no terreno do combate. o horror era apenas uma passagem para um lugar de dentro.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

escrever é solitário. viajar é solitário. dormir é solitário. ficar em sofás é solitário.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

e pronto... espero que se acabe de uma vez por todas com este verão que já está a assumir contornos absolutamente malignos para a minha cabeça e para a minha carteira!!! as coisas lá foram correndo com normalidade nestes meses de ausência blogueira. fiz o meu espectáculo em alpedrinha e correu mais ou menos bem. não há coisas perfeitas mas o trabalho é mesmo esse, lutar pelo absoluto. diz-se que vamos apresentar o espectáculo na moagem!!! aguardam-se direcções. será a minha estreia na moagem... afinal devo ter sido o único construtor de espectáculos fundanense que ainda não meteu lá os pés!!! isto promete meus caros. a experiência em alpedrinha foi altamente. fomos muito bem tratados, como convém onde quer que se vá!!! mais 74 pessoas que assistiram ao espectáculo... não foi nada mau. agora é porto outra vez, mais um espectáculo com o carretas, que é sempre altamente espectacular, nos entretantos ainda fui a barcelona trabalhar nas festas de grácia na casa portuguesa... é dia e noite... é dia e noite... as costas lá se vão queixando mas pronto, descanso quando morrer. não ando com internet e não tenho escrito nada que valha a pena. só umas ideias atiradas para um caderno ou outro ou para dentro do super portátil que me acompanha como se fosse um braço!!! hehehe quando houver uma novidade ou outra... cá virão parar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

regresso.

entrar numa sala de miséria e de fome
o desespero do tempo esconde rupturas
são máscaras, amor, são vozes estrangeiras
os monstros amargos que se alojam no olhar

depois do caos a calmaria abundante do vazio
alguém sorri no absurdo violento da distância
dizem-se coisas pensamentos sentidos
mostra-se todo o nada ardente nos dedos

edifícios prisões mentais linguagens de sangue
beijos ácidos roubados em escadarias na noite
palavras cuspidas demasiadas abstracções trementes

fugir de poemas socorrer pássaros brancos
vomitar incestos escavar sepulturas cerebrais
nadar numa espécie de inverno rigoroso da vida

sábado, 10 de julho de 2010

publicidade própria

dia 7 de agosto no teatro clube de alpedrinha, o espectáculo "músculos", com texto meu e encenação minha, com interpretação de cristiana castro, com iluminação de flávio freitas e sonoplastia de luis ternus. vemo-nos lá?

quarta-feira, 30 de junho de 2010

o Teatro Municipal da Guarda é um teatro que serve todo o interior do país. é um facto inegável que a sua programação é das melhores a nível nacional. é um produtor activo de cultura e de desenvolvimento das mentalidades da chamada Beira Interior. é algo que pertence a todos. é um teatro que cobre toda uma região esquecida pela cultura litoralista e centralista dos sítios do poder político e económico. o Teatro Municipal da Guarda vive agora com o fantasma de uns cortes absurdos no seu orçamento, por força de intrigas mesquinhas que ultrapassam a dimensão do razoável. por favor, vejam toda a história contada pelo director do TMG aqui!!! vejam, divulguem, manifestem-se. precisamos de nos bater pelo que nos diz respeito. um país que não reconhece a cultura como algo de necessário para o seu desenvolvimento é um país que vive nas trevas do humano, não deixemos que Portugal seja assim.

terça-feira, 29 de junho de 2010

e é assim... somos um país muito pequeno e com graves problemas de segurança própria e auto-estima e já para nem falar no lado da pobreza que parece que veio para não se ir embora nunca mais. mas há estas coisas que são capazes de levar às lágrimas qualquer futeboleiro nacionalista. hoje temos de ganhar. temos de ganhar porque acreditamos que isso poderá alterar alguma coisa no nosso quadro de esperança já demasiado limitado. temos de ganhar porque precisamos de fé no futuro. temos de ganhar porque não somos assim tão maus. temos de ganhar porque temos de ganhar. e logo contra a espanha. esse país que nos diz tanta coisa. que parece que paira sobre nós como uma eterna ameaça de invasão. temos de ganhar. por uma questão de princípios europeus. por uma questão de orgulho louco e irracional. deixem a pele em campo. é só o que eu peço.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

dizem que no fundo das misérias humanas se encontra a fórmula da felicidade. dizem muita coisa. aconteceu-me ficar surdo. era noite e a estrada era longa. o frio deveria ser insuportável como em todas estas histórias. os poemas já não me visitavam os pensamentos como num tempo distante. vivia o miserabilismo teórico da cabeça. apareciam criaturas com ar sacana e falavam-me. era desnecessário. eu olhava para as suas bocas grotescas em movimento e não percebia nada do que diziam. uns vomitavam aos meus pés com o descaramento de quem nada teme. não conheceram a vergonha dos dias. abriam a boca e fechavam-na como se isso tivesse alguma utilidade superior. bah. uma casa aparecia e eu entrava. arrastava o meu corpo de gorduras até uma porta metálica. eles estavam aí. comiam-se como vampiros de almas. eu agarrava nos meus venenos secretos e regava-os. eles decompunham-se rapidamente. devia estar um silêncio mortal no lugar. para mim era o mesmo. eu estava surdo e não tinha interesse nas partilhas. alguém com um ar insurrecto traz uma maçã brilhante. agarro nela e atiro-a com força contra a parede em frente. a parede está cheia de lesmas. esmagam-se umas com o impacto da maçã. salpicos de ácido e lesma sobre os vestidos das mulheres. alguns homens limpam o rosto. os outros que se comiam estavam já desfeitos no chão. vampiros derretidos na sua falcatrua. um tocava corneta. algo de anjo do apocalipse. uma mulher beija-lhe a corneta. ou a trombeta. ou o caralho. as lesmas direccionam o arrastar até aos vampiros desfeitos no chão. uma orgia de merda líquida. com um cheiro de corpo morto e podridão. deixo de ser surdo. grito-lhes com toda a força mas é só para me ouvir a mim. preciso de saber que estou vivo. a corneta cala-se. o corneteiro vomita perto dos meus pés. uma mulher de vermelho vem até ele. enfia-lhe uma língua viperina na goela. come o seu vómito. sopra no seu instrumento. eu parto vidros. e parto vidros. e mais vidros. tenho as mãos tão vermelhas como o vestido da puta das trevas. no dia seguinte. à mesma hora. o mesmo desfile de nadas mentais. através da estrada longa que se tornava casa.

domingo, 20 de junho de 2010

depois dizes baixinho para dentro: há que ganhar coragem que a estrada é longa e sinuosa. as imagens não te deixam. são sonhos fantasmas demasiado recorrentes. como uma fotografia antiga que na infância se fazia sempre questão de observar demasiado bem. sempre demasiado bem. as imagens que te assaltam o pensamento. solitário e seco pela estrada fora. umas paragens à beira de portas fechadas. o silêncio. procurar locais altos. voar para lugares inóspitos que sirvam de rasteiras ao pensamento. tudo pela língua.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

apontamento

e acendiam-se os campos com o passar dos velhos pelos caminhos. tornavam-se fortes. os campos e os velhos. a terra que subia pelos pés e se injectava viva no coração da idade. os velhos que a terra comeria depois de alimentar. quando tivesse fome deles. chegava-lhes uma carta ao sono. eles levantavam-se. faziam as despedidas dos outros homens e da luz. e dava-se uma espécie de mergulho fundo no interior da terra.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

e era como se a terra se abrisse debaixo do corpo
torres gigantes bombardeadas violentamente
a boca que perdia o sentido para o seu silêncio
pedras no olhar que foi um dia de vidro
e as mulheres dançavam na chuva com os sorrisos cúmplices
outros assassinos limpos descascados de visão
os dentes arreganhados animais
ratos que se transformavam em gigantes ferozes
que subiam com as unhas pelo peito
mordiam a cabeça frágil ou instável
mas tudo se passava na normalidade do costume
na normalidade crápula do costume
na anormalidade crápula do eterno
porque o que se falava não era já parte do tempo
as crianças chegavam com os seus brinquedos de ouro
afogavam-nos nas cinzas dos mortos familiares
o eterno tornava-se um despojo da guerra desconecta
a música soava alto como se tudo fosse parar
mas não se conhecem histórias desses rios
havia casas diziam-se imensas e luminosas
casas feitas com as mãos do trabalho e do amor
brincava-se nelas dormia-se nelas talvez se bebesse muito
a cabeça não estava já preparada para rupturas
os animais traziam um sangue estrangeiro que enfiavam na goela
não era nenhuma fome carnívora do abismo
era o passo suspenso da angústia
que circulava caprinamente debaixo da pele

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Rabbit in your headlight by UNKLE

aquecimento escrita nervos doença

sou um homem doente. sou um homem mau. sou um homem repulsivo, é isso que eu sou. cada vez tenho mais a certeza de que nasci para fazer alguma espécie de mal maior. tenho problemas emocionais fortes, aliados a uma instabilidade crónica. descobri isso numa manhã destas, quando tomava banho, depois de ter dormido muito pouco e ter bebido muito muito. é assim, para uns a consciência é um apoiante forte da vida, para mim é um elemento de desintegração grave. há coisas que não se conseguem ignorar quando são tornadas demasiado claras diante dos olhos. elas acabam por entrar como umas brutas pelo cérebro adentro, comem-no, desfazem-no, tornam-no líquido. porque será que tenho eu esta orientação natural para o sofrimento e para a atrocidade? não faço ideia. poderia discorrer horas e páginas a fio sobre as circunstâncias que me formaram enquanto homem, mas não quero, a culpa não pode morrer solteira e eu não me posso separar do mundo. sou instável porque sim. sou instável porque sou instável. ponto parágrafo. é uma coisa com a qual terei de viver todos os anos que me aguentar na minha miséria mental. já nem penso em anos. penso em dias. cada dia é uma dor específica. um conjunto de horas dolorosamente fatais. estou sujo. roído. obeso. destrutivo. as lágrimas caem-me agora com uma facilidade tremenda. sim, já tive melhores dias, ou será que devo dizer antes: sim, já tive ilusões. já conheci umas amostras de felicidade. houve um ponto no rumo que se despertou uma espécie de vírus. algo de maligno. algo que fez com que se alterasse a linguagem e as perspectivas. a maldade de dentro começou a ocupar todas as acções, até mesmo as mínimas, como uma mentira que cobre tudo como uma sombra, que não deixa a claridade aproximar-se da respiração. sim, sou sujo. o meu corpo está em revolta com a minha cabeça. vai-se afundando. de vez em quando sobe à superfície para ver as vistas mas volta a ir ao fundo para se esconder da visibilidade. as vistas são perigosas. as vistas permitem estranhos acessos de nervos e de apatia. estou doente. sinto-me doente num ponto do qual não posso regressar. e isso importa o quê? farei mais meia dúzia de coisas neste mundo? umas que sim e outras que não? isso não me chega. temos tão pouco tempo. perdemos tudo atrás de ninharias e falcatruas que não mostram qualquer tipo de princípios em relação à vida dos outros. crimes desfeitos. crimes perfeitos na sua ignorância vestida de crueldade. sim! crueldade! essa é cada vez a palavra mais certa no ambiente geral das coisas. crueldade. quando os olhos te olham com um fogo extremo. quando os olhos te atiram objectos cortantes. olhos superiores. como se estivessem uns patamares acima da tua cabeça insignificante. o poder do mal é meu. só a mim me pertence. o poder do meu mal é meu. a minha falta de rumo é minha. depois só apetece fechar o corpo numa casa obscura e gritar a tudo para que tudo saia. vomitar o tudo até que o vómito se torne numa forma de cura. chorar o tempo. obrigar o corpo a descargas líquidas. despedaçar braços e barrigas. ficar cego. perder a boca. perder o sentido. é o tal grau zero onde tudo começa depois de tudo acabar. talvez o ponto do silêncio e o fim das palavras. porque as palavras são malignas. e quem domina palavras malignas orienta a cabeça para o caos. é verdade que há seres que possuem a sua luz. é verdade que os há, uns com mais luz e outros com menos, não importa também. há luzes que só são capazes da cegueira e não vejo a diferença qualitativa em relação à obscuridade. não sei o que será pior. dois crimes perversos. crime é crime. crime é crime. depois chega-se à porta dos lugares e cospe-se para a rua umas frases sem sentido. para as ruas de gente. umas frases de perigo. possivelmente egoístas. mas não me falem em egoísmo nem em inconsciência. que as borboletas são todas coloridas. há borboletas que trazem um veneno raro nas asas. miseráveis borboletas que jogam nos patamares mais rasteiros da aparência. e o seu veneno espalha-se pelo ar como uma coisa mortalmente criada. fumo demasiado. bebo demasiado. morro demasiado lentamente. roubo ideias aos outros porque sinto o meu vazio delas. na minha cabeça as ideias circulam como um turbilhão de fogo mas eu não as consigo fixar. é uma impossibilidade física. pretendo sentir a fome até me obrigar a comer.

e agora... vou escrever para outro lado.

terça-feira, 15 de junho de 2010

a imagem mais violenta de todas. um beijo.
judas obscuro diante da porta.
insanidade.

terça-feira, 1 de junho de 2010

segunda-feira, 31 de maio de 2010

era um soldado que tinha voltado de uma guerra sangrenta através do tempo. num país distante. uma guerra que se fazia crua na ausência da língua. voltou para casa mas já nada o identificava. como se o ser se tivesse evaporado no quente saturante dos combates. na linha da frente. onde a violência se espalhava com o olhar fixo na morte do outro. soldado em deriva. vazio. com os pés que pairavam sobre o espaço. talvez estivesse mais magro. com uma camada de sujidade interna que seria impossível de desentranhar. talvez fosse outro. uma construção nova que se dava por dentro da sua cabeça como um colapso. as rupturas e a violência. soldado vagabundo de si.

domingo, 30 de maio de 2010

naquela noite tudo parecia orientar-se para o fim do silêncio.
o mundo vestia a sua roupa de gala. cobria-se de tinta.
os homens na rua dobravam as costas ao infinito.
os insectos vieram passado pouco tempo. era cedo.
morderam as mãos até que algo fizesse disparar os vasos sanguíneos.
trocaram-se ideias gastas de viagens a países imaginários.
fumaram-se drogas como brindes em família. deram-se beijos.
cantaram-se canções distantes. melodias velhas. coisas esquecidas.
eram os olhos que se afundavam na terra húmida.
não havia lágrimas. o rosto apresentava uma secura exemplar.
a cabeça sonhadora levou o corpo para as escadas.
na rua. outra cabeça sonhadora acompanhava outro corpo.
reis de nenhum reino e em inquietação. mágicos. mãos trémulas.
mãos mordidas. coladas. insectos ínfimos na paisagem infinita.
lá em cima estavam estrelas mortas com uma luz que se aguentava.
outras cabeças diferentes. fugiu-se dali sem rumo. em busca de um abrigo.
em busca de água que desse outro sentido à garganta.
beberam-se poemas. cuspiram-se passados felizes ou tristes. insignificantes.

na sua vida regular deparava-se constantemente com privações que considerava abaixo do humano. mas seguia o rumo. seguia-o de uma forma tão pouco ligada que se cobria cada vez mais com a escuridão latente do vazio. um dia tinha visto a morte. nada de especial. tinha visto a morte numa noite de inverno, quando saiu de um lugar público, com um rasto de sangue no chão e na boca. estava frio nessa noite mas não chovia. provavelmente é a ausência da chuva que lhe provoca o impulso da fuga. uma voz. luzes azuis. vergonha. a morte armadilhada encontrava-se nas valas das estradas, dos caminhos ermos, do silêncio. no dia seguinte as mentiras e a roupa vermelha. e o nada. esse nada que quando se instala parece que fica. como um filho que se carrega até que atinja o sentido máximo da liberdade e da libertação.

o autor em estudo.

sábado, 29 de maio de 2010


















cada vez acredito mais numa coisa. não há revoluções sem violência. não há rupturas sem violência. hoje fui à manifestação e não deixa de ser frustrante. 300 000 pessoas. 300 000 pessoas à espera de quê para agir???

homenagem. mais um que se foi.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

de repente começa uma tremura nas mãos.
observas-te. estás tranquilo na aparência dos dias.
por dentro saem cobras através da traqueia.
mordem a garganta. o grito é seco.
o grito é mudo na sua essência física.
as mãos. uma espécie de raiva latente.
as frontes. um aperto no centro da cabeça.
como se o corpo se fechasse na noite em que respira.
o fumo compulsivo ocupa-te o corpo que um dia foi de osso.
a memória vem e vai. é um disparo de realidade.
acidentes. acidentais. orgãos que se revoltam na apatia.
descobrem-se os círculos. espirais que envolvem os braços.
ódio. revolta cinzenta. corredores hospitalares.
luz branca e secura. vómito. alucinação. silêncio.
no dia seguinte assumes a vergonha da sobrevivência.
e tudo no mundo se abre com o horário do costume.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

aquecimento sem continuação

a casa funcionava-lhe como um escudo demasiado protector. encontrava-se dentro dela como uma larva em processo. guardava o silêncio. dizia-se que falava pouco para não estragar as palavras. bebia os poemas dos outros com uma gigante sede de infinito. por vezes chorava. recusava as visitas do sono. dizia que a vida era demasiado curta para ser passada a dormir e que o mundo tinha criado tanta coisa... e que um dia o seu corpo se tornaria pó e que aí já nada haveria a fazer.
porque a verdadeira violência da vida se esconde nas imagens da realidade. os homens despidos de si mergulhando no caos das luzes. ritmos. as ilusões constantemente massacradas pelo imenso respirar da espécie. é uma doença que se propaga como um consumo desenfreado de ar e loucura. uma doença de fome. a mão aberta para cima espera um momento ínfimo que seja todo o futuro luminoso. eles viram as costas. as veias das cidades absorvem-se em movimentos de branco e de vermelho. máquinas de nada. insectos carnais rebolam-se sobre lençóis de sangue ou de ouro. alguns sobre cartão. alguns directos no alcatrão. ou nas pedras. ou na terra. dentro dela. e todos os dias se nasce absolutamente. e todos os dias se morre naturalmente. a luz sucede à treva. como uma deriva cíclica em que as coisas mergulham numa espiral de caos. a medula óssea. o universo que fragmenta olhares previamente quebrados. nasceu-se assim. e talvez a história do tudo seja já uma coisa escrita. tatuada num braço de um deus com um sentido megalómano.

terça-feira, 25 de maio de 2010

vamos lá?

homenagem do tempo. andrew bird.
























era um dardo de sangue que saqueava a noite. alastrava-se como uma revolta silenciada. como um incêndio que comia o corpo à sua passagem. ao fundo estavam as casas. dormiam as crianças. o sono dos justos. ainda santos sem mácula que esperavam o aparecer do grito furtivo. alguém cantava na paisagem da vida. alguém se debruçava na sua janela para olhar a rua. tudo no quarto estava escuro. tudo menos uma estranha inquietação da insónia física. uma espécie de temor do sagrado. de medo da justiça. de fuga à causa. a criança tornada homem de repente ganha o medo absoluto da exposição de si. imagine-se que mija na cama. que os sonhos se sobressaltam até que o chão ampare a queda húmida. numa casa de praia alguém bebia palavras como se o amanhã fosse nunca. como se o desespero da eternidade fosse uma lógica verbalmente transmissível. traziam água. alguém lavava os pés ritualisticamente. silêncio. a água fresca sobre os pés. o barulho da água fresca sobre os pés religiosos descalços. um velho bebia vinho. bebia vinho que era sangue transmutado. e nessa transmutação de claridade algo morria no mundo. algo se disparava. algo se ejectava. os gritos que haviam de surgir tinham a dimensão propulsora do crime perpétuo. ninguém se lembra do seu nome. dizia-se que surgia nas noites de bebedeira. não tinha a dimensão palpável. surgia nos sonhos como um assassino de almas. teimava em manter-se na inquietação do mundo. em todos os caminhos cruzados. nas janelas de vidro transparente ou fosco. um homem levantava-se. a cidade escutava os seus passos na escuridão. era uma cidade pequena e as ondas eram de uma banalidade muda. os passos tornavam-se gigantes. grotescos. assumiam o ruído de máquinas de escrita ancestrais. as crianças choravam uma a uma. como cordas que soavam por simpatia. crianças instrumentos. salvações de tantos. perversas máquinas do trabalho e ganha-pão dos ricos. o homem da obra. o homem da fábrica. a mulher da loja. durante o dia alguém se manifestava. mas as polícias vinham com uma venda escura e os olhares desapareciam. a cidade continuava mergulhada na sua organização fútil. o dardo de sangue da noite era apenas um pretexto.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

como seria possível que a sua voz ecoasse dentro da sua cabeça com uma urgência de tal forma gritante que era capaz de cortar o próprio caos? surgia como uma memória em fragmentos dispersos. voz grave e pintada de inocência e revolta. as frases ditas como uma torrente líquida. palavras que se seguiam umas às outras. paisagens. se por vezes se construiam alucinações, a ilusão dos dias. a máscara da vulgaridade e do abandono. andar sem tocar no chão. porque o salto já tinha sido uma queda noutros dias.
e pronto, deixar o palco mais uma vez... para voltar à escrita mais uma vez. fazer o balanço do palco mais uma vez... para voltar a casa mais uma vez. passar o dia a dormir para não conseguir dormir de noite. voltar a encontrar o lugar sagrado e voltar a viver nele.
próximas etapas:
- preparar o laboratório
- fazer o calendário do espectáculo
- voltar ao porto
- estudar o texto
- juntar as coisas todas numa só casa
- escrever mais
- ler mais
- voltar ao palco daqui a dois meses
- conseguir reunir a minha máfia para criar um grupo
- rebentar tudo

segunda-feira, 17 de maio de 2010


em estudo



era ténue a fronteira. lembrou-se de uma vez, uma só vez, em que ela se tinha mostrado como uma penitente, uma mulher com o rosto ofuscado pelo vazio do que se seguiria. tempos de guerra, talvez. levantou-se da cama. ele fumava um cigarro no seu canto de silêncio. talvez arrumasse as malas dentro da sua cabeça. talvez fizesse juras eternas de ruptura ou outras coisas, outros corpos que desfilavam por dentro das suas pálpebras como vultos de prazer ou de inquietação. ela levantou-se. estava nua. ele vestido com o seu cigarro. ela com as suas tetas descaídas. exposta. ela disse-lhe: anda já para a cama. agarrou nele pela mão. levou-o. embalou-o nos seus sonhos de menina gigante. tornada princesa com o calor dos lençóis. era demasiado tarde. o acordar tinha já trazido o sentido inevitável do fracasso. a viagem estava marcada. o futuro para sempre comprometido. de qualquer forma ela nunca lhe tinha pedido que ficasse. abandonaram-se para sempre com as mãos agarradas ao vulto de um amanhã que nunca mais visitou o quarto. depois cada um mudou de casa. e as vozes esquecem-se mais rápido do que o rosto.

domingo, 9 de maio de 2010

demasiado ruído na cabeça. os homens nas casas atiram com as crianças ao lume. tenta-se o golpe do sono mas ela não aparece para cobrar a noite. tudo se torna insinuoso nos dias. a água corre nas ruas e encharca o cérebro como se fosse álcool. as mentiras vestidas de negro tornam-se miraculosamente pintadas de cores garridas como no dia dos mortos de um país distante. os olhos feridos pelo truque das imagens. os pés saltam para evitarem a terra e mais o seu chamamento. tudo é precoce neste reino. são os saltos pneumáticos em direcção ao centro. confundem-se com metamorfoses. um voar silencioso que estremece o sonho. andar em deriva pelas coisas alheias. confundir. evitar. lutar com uma ordem estabelecida que não produz nada dentro. o dentro. de dentro. para dentro. adentro. pode chamar-se o amor na sua distância eléctrica. pode gritar-se ao mundo até que o mundo se abra na sua inocência pura. revoluções. ser explosivo.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

depois o teatro tem esta magia que emerge do caos. uma espécie de anarquia ordenada. o actor em fumo. textos que se tornam vida diante dos outros. sacrifício. entrega. paixão desenfreada sobre as tábuas e debaixo das luzes. ganham-se companheiros de luta. comunhões supremas. partilha máxima do corpo.

música de estreia (repetida ao longo do tempo até se tornar ritual)

domingo, 2 de maio de 2010


antígona.
o crime dos corredores dos hospitais.
nem violência
nem droga
o problema é a pobreza.
depois de cumpridos os ritos
a carne cumpre a ilusão.
salvação.
evolução.
revolta.
penas abusivas para o privilégio dos bufos.
raça superior de falsos homens mulheres.
porque o sistema não tem a poesia.
o sistema não tem cheiro.
nos bastidores da política
o desfile
armas secretas sobre as cabeças.
a alienação subversiva do humano verdade.
mortos-vivos.
rei lear:
cegos guiados por loucos.
depois do lixo consumível
o amor despido nas livrarias
nas lojas
no meio de milhares de cosméticos
camisolas
manequins de ouro.
o som do fundo vem devagar.
as ilusões cortam.
os pulsos.
a goela.
a electricidade.
a água.
a fome que se propaga com os supermercados.
mulher solitária nos corredores brancos.
sabão que se esfrega nas pernas.
o irmão morto debaixo da terra.
que salta ou voa para o eterno.
na televisão a verdade é cuspida aos solavancos.
a verdade é atravessada.
construção.
montagem.
argumentação.
quantos morreram verdadeiramente?
ir para casa no silêncio da noite
no silêncio dos mortos
as palavras que se propagam como dardos de sangue dentro do cérebro
inventar revoluções nas veias.
sentir a idade.
medo.
vontade.
prazer gigante nas batidas cardíacas.
membros cortados.
famílias económicas.
doentes.
terminais.
terminados.
a luz dos dias através dos caminhos e dos transportes
húmidos
cheios de pó
cheiros a gasolina.
mulher que sai de casa.
depois da violência brutal.
eu era um nome sagrado
que vivia numa caixa entrecortada de iluminação dura.
no meio da festa
sabor vermelho que escorre nos lábios.
a tua política está morta.
nunca serás mundo.
um dia serás enforcado na praça
ficarás em exposição dias a fio.
um dia chegarás ao texto exílio.
a polícia fará a sua ruptura.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

e pronto... pensar que talvez este regresso não tenha afinal sido em vão... um gajo vai trabalhando, o dinheiro é pouco mas vai dando para comer umas porcarias do minipreço!!! às vezes aparecem umas saudades do tempo, esse grande sacana, umas saudades que provocam uns acessos de alguma coisa incompreensível, alguma coisa bárbara. a seguir vou ter uma experiência que promete!!! mais uma vez uma experiência que promete!!! o problema está todo na construção de ilusões. por vezes vai-se para casa com um sentimento de deriva... é o teatro, o maldito teatro. diz-se assim: mas é o teatro que te faz seguir! pois sim, deixa-me estar mas é calado!!! hehehe mas enfim... apesar de tudo é fixe andar bem disposto e ter conhecido gente bastante agradável!!!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

- hoje pensei numa coisa. não deixa de ser triste olhar para o mundo e ter a certeza de que nunca se irá ter nada.
- então?
- estava a passar por uma cidade à beira mar. e fiquei a olhar para todas aquelas casas. tudo em volta era verde. era uma cidade estranhamente confortável.
- será inveja da posse?
- não. é o mais absoluto desperdício de tempo sentir inveja. é só sentir que as coisas poderiam ser justas. muito mais justas.
- sabes que o mundo vive na maior inconsciência que lhe é possível?
- sim. só assim se sobrevive ao caos. no dia em que todos acordarem poderá vir o colapso.
- talvez seja o colapso que faça mover tudo. sabes? como um despertar.
- já acreditei nisso em tempos. hoje prefiro sentir os dias como inevitáveis. as pessoas respiram merda. não faz qualquer tipo de sentido querer o melhor para a espécie. um dia acabará finalmente tudo.
- é uma resolução.
- sim, não uma revolução.
- há aquele escritor que fala da saturação e da resolução. será que este é o ponto máximo da saturação?
- infelizmente não o posso dizer. certamente que virá pior. só não posso dizer o mesmo em relação ao melhor.
- somos uns pessimistas.
- sim. convictos.

a juventude é eterna

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Logorama from Marc Altshuler - Human Music on Vimeo.

uma equipa de futebol é composta por jogadores de várias características que são contratados para que cumpram objectivos específicos ao longo dos jogos e ao longo do tempo, são contratados para que cumpram várias funcionalidades e para que ofereçam ao treinador um leque de possibilidades e escolhas para o mais variado tipo de problemas. nenhum jogador, em príncipio, gosta de ficar no banco. nenhum jogador que se considere que esteja no pico da forma e da vontade de ganhar gosta de ficar sentado enquanto vê a sua equipa marear no jogo, porque um jogador acredita sempre que pode de alguma forma contribuir para a vitória, para o desejo máximo do grupo de trabalho em que se encontra. há equipas de estrelas e há equipas de operários. sempre acreditei mais em equipas de operários do que em equipas de estrelas mas o meu ponto não é este. há vários patamares de qualidade dentro dos jogadores, até há mesmo jogadores de qualidade que nunca vão vingar... seja qual for a razão para esse facto, o que é certo, é que um jogador é bom ou vai melhorando enquanto lhe for permitido jogar, a razão de um jogador é o jogo, o jogador joga, esse é o principal objectivo da sua vida. quando um jogador sente que não joga por alguma razão alheia à conjuntura é impossível ficar satisfeito. porque um jogador não pode pedir para jogar, aliás, um jogador pode pedir para jogar mas esse não é o meu estilo de jogador. a única estratégia que um jogador deve utilizar para se impor numa equipa é o trabalho. um jogador que não jogue mas que trabalhe como os outros ganha uma crise de confiança que lhe vai ser prejudicial e que pode afastá-lo para sempre da sua equipa. um jogador quando se vai abaixo afasta-se, só pensa em sair para uma equipa em que possa jogar, mesmo que seja uma equipa de uma linha mais abaixo. um jogador precisa de se sentir vivo no seu trabalho. um jogador pode ter tudo ou não ter nada, mas tudo isso lhe será indiferente se não jogar. não há nada mais saturante do que piscadelas de olho ao treinador. um jogador que faça os possíveis para jogar através de simpatias para o treinador é um jogador que seguirá o seu caminho estelar mas que nunca será verdadeiramente bom. o jogador que nunca tenha oportunidades para jogar também nunca será verdadeiramente bom. o futebol é um meio estranho. o problema é que no teatro é igual.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

era um rapaz de tal forma caguinchas que ninguém dava um tusto por ele, nem ninguém dizia que ele se fazia. era um cagarolas da treta que tinha a mania que enchia o espaço com a sua imbecilidade culta, com uma mania de superioridade latente. acho que até lhe faltava um colhão, mas como tinha lido muitos livros e visto muitos filmes... tinha conseguido ganhar um harém de frustrações que o circundavam como um sistema de planetas em volta de uma estrela decadente. cruzava-se comigo de vez em quando e eu sempre que o podia evitar era coisa que nem hesitava, toca a passar para o outro lado da rua ou a mudar de mesa de café. dava-me um certo asco nas entranhas a sua presença, tão gigantemente insignificante. chamava-se um nome que eu não posso dizer. aliás, até se torna ridículo falar sobre ele. mas se lhe dedico agora uns momentos do meu reles tempo é porque havia algo que ele tinha atingido. ele tinha uma magia. era um ser inútil mas que tinha uma magia. era um crápula dos piores, dos que fazem vomitar os mais ressequidos abutres, um crápula frustrado que deveria dormir sempre em camisa de noite com umas peúgas rosinha e um barrete com um pompom na ponta. diz-se que tinha a pissa metida para dentro. não sei e nunca tive o desejo de saciar essa curiosidade mórbida. até quando lhe esboçava um sorriso ou um simples cumprimento na distância o meu corpo reagia aflitivamente. o anormalzinho mais insurrecto que algum dia tive o desprivilégio de conhecer. é-me bastante clara a sua imagem. rato autêntico. mas um rato daqueles ratos tristes, um rato magro e enfezado, mal formado na sua mais profunda melancolia de ser inteligente, ou ser superior, que não se mesclava com a gentalha decadente, com a plebe, com os da rua... mas que ia constantemente pintar a manta de povinho vai com todas para as mais míseras tascas e tascórios e que, ainda por cima, fazia disso a sua bandeira de humildade ganha a custo nas calçadas da vida. ai, quase que vomitei ao escrever estas palavras. voltando ao tema da sua magia. a sua magia era uma comédia de lamentos, as pessoas que fazem as medalhas do sofrimento e que ao mesmo tempo exibem a sua infinita sapiência de queques sem princípios merecem todas a forca. não a forca normal, antes uma forca que tenha espinhos na zona que toca no pescoço, espinhos que provoquem gritos lancinantes antes da morte que deveria ser tudo menos rápida. então um dia, o nosso gigante deu um tralho épico nos confins do mundo. o pior foi que no movimento da queda me levou um livro e mais meia dúzia de anos de vida. sacaninha reles o gajinho. sempre que estava por perto, a sua influência revelava-se maligna em todos os meus caminhos. comecei a desconfiar daquilo tudo e fui mesmo a uma bruxa para me lavar dos males. era impossível. a bruxa nada podia fazer contra o feitiço que ele lançara sobre mim. tinha-me ocultado a luz com uma núvem de pó e de esterco. tinha-me mergulhado em episódios de falcatrua. ele chegava com o seu harém de falsidade e lamentação e zungas... lá me ia eu pelo cano. o filha da puta do ratito. mas eu juro, ai juro juro, um dia cruzo-me com ele na rua, não passo para o outro lado, vou-me a ele, chego-lhe com estes cinco dedos da direita, estejam abertos ou fechados, e lá se vai o encanto desencantado. o cabrãozote, coleccionador de tufos de pintelheira e outras tretas capilares, chega e lança a manta da repressão e tudo lhe baixa a bolinha batendo continência ao espertinho. mas eu sou um gajo fodido. eu já não fico a ver os navios a passar como fazia antigamente, nada disso, eu é pau para toda a obra, já não me deixo pisar por intelectualices, para intelectual intelectual e meio. não me interessa que tenha o harém com a mais brilhante de todas as putas. que tenha a mais puta de todas. para mim é-me igual, as putas nunca me interessaram, nem sequer como tema de composições filosóficas ou o cacete. chegas ao pé de mim e parto-te os cornos. amasso-te a cornadura meu safardanas cócózinho. eu vou-me a ti. livra-te que eu te veja a rir ou a abrir a boquinha miserável que tens enquanto estiveres na minha presença. zungas, sentes alguma coisa a ir na tua direcção e há-de ser alguma coisa dura, isso te prometo, pontos na cabeça não te vão faltar. seu rodriguinho miserável. seu barroquinho nojento. seu quinane irrecuperável. ainda hoje, se não me seguram, meto-me na estrada e ala que se faz tarde, vou-me a ele, onde quer que esteja. que hoje está realmente um belo dia para se matar alguém. deve ser da primavera. ora terem-te dado um par de galhetas bem dadas quando eras puto e já nada disto acontecia. que aquilo que tu precisas é de te meter com uma gaja que te agarre na pissa com os dedos todos e que te arranque o teu pequeno marsápio até te esqueceres de quem és. meu grande cona da tia velha. até me fazes lembrar muito mas mesmo muito vagamente um certo rasputine, mas dos que não fode nem sai de cima.
porque eram seres de uma perfeição que tocava na cegueira. mortos debaixo do sol. vivos na noite dos destroços. derivas. dejectos. carne amontoada nos antros perdidos. espectaculares. amontoados de plástico e de tinta. viagens pelo vazio. escritos no caos da sua simples morte.

noite-nervo

há histórias que perfuram a cabeça mesmo junto dos ouvidos
são gárgulas que vomitam com a voz cortante de um passado
coisas que recusam o desaparecimento
janelas
gavetas
diz-se que dava pontapés debaixo do rosto
que mordia a língua como se isso libertasse a vida
como se isso fizesse desaparecer feridas profundas
marcas tempo situação amargura claustrofóbica
ir para a rua para procurar tabaco ou uma voz doce
uma voz que entregue um sentido novo para a ruptura
a ruptura do fora com o dentro
do dentro com o fora
acabados os enigmas
o pó repousa sobre o corpo imóvel
nenhuma contemplação possível
e as luzes desfilam
absurdas
sem qualquer espécie de ar

terça-feira, 20 de abril de 2010


e encontraram-se. e disseram: vamos para onde? e responderam: não importa. meteram-se numa carruagem e foram à deriva. era uma viagem que quase tocava na água. andaram umas horas e sairam numa cidade pequena. sentaram-se. e falaram a sério pela primeira vez.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

um sonho quase ao acordar. era uma agulha. um espigão amaldiçoado de ferro. uma agulha que precisava de sangue. precisava de encontrar um pedaço de carne vivo. um corpo. quando não o encontrava era preciso segurá-la com toda a força possível, porque ela atacava. atacava. como uma necessidade superior de sobrevivência. uma agulha amaldiçoada. não me lembro quem estava comigo. lembro que estava num local elevado com vista para um jardim. eu tinha a agulha na mão e evitava a sua revolta superior. fui a uma varanda e tentei atirá-la ao jardim. ela estava colada à minha mão e fazia toda a sua força para conseguir dar a volta e espetar-se no meu dedo. eu tentava como louco atirá-la para fora da minha mão. impossível. de repente, da agulha, começam a sair espigões. uma corola de espigões malignos. que se vão tornando gigantes com o desespero da fome. uma agulha cancro. maliciosamente brilhante como uma estrela. saí do edifício a correr. desci os degraus aos saltos. a corola não parava de crescer. passei a porta. atravessei-a. os espigões começaram a furar-me o corpo. eu com o braço esticado. olhos. peito. veias dos braços. ombros. caí no chão. uma mancha carnívora. acordei.

quinta-feira, 15 de abril de 2010


saturados de informação. sedentos de conhecimento.

a homenagem do dia


e se de repente uma estranha vontade de fuga se apoderasse de todos os sentidos. se de repente fosse uma identidade ocupada por animais mínimos. um desejo de imensidão. um desejo de estar de fora deste invólucro que é liberdade e ao mesmo tempo saturação carnívora. era a vontade de agir sobre as moléculas do corpo. o eterno chamamento do abismo. porque o corpo torna-se apertado para a sua treta. o corpo invadido pela luz opaca das cidades. das ilusões. que a realidade não visita. e se de repente ao andar descalço nas colinas do mundo, se de repente uma luz fragmentasse tudo. voar pela imensidão do caos. chocar com partículas de dimensão absurda, tão absurda quanto a minha, chocar com semelhantes sonhos, viagens, mentiras, verdades, ilusões, se chocar provocasse uma fusão dentro da realidade criada pelo desejo absoluto. mundo. estranho e inquieto mundo. metido na deriva de si mesmo. implosivo. porque o homem é um buraco negro que suga a sua matéria total. entra-se num lugar de ninguém e sai-se do lado do nada. menos do que nada. depois do sofrimento. depois do grito perder o sentido e as imagens serem tão abstractas quanto a morte. que desfilam em janelas binárias. que por vezes até possuem uma voz ridícula. que até se pavoneiam como soldados diante do grande imperador futuro. mas o futuro... esse que não pertence a ninguém, ignora os olhares informáticos, ele enfia-se nos casulos insectos da realidade. e eu ando aqui. e se de repente uma descarga me saturasse de tal forma que eu passasse para dentro da terra. como um condutor de linhas. se se se se. e se de repente o nada. ali tão perto da minha mão. ali tão perto da cabeça. ali o caos debaixo da minha cabeça de olhos. e as vozes que são palavras que se tornam gigantes no seu nada. que o asco visita o estômago quando elas se intrometem furtivas na cabeça. vozes espalhadas por ecrãs. vozes que são despojos de plástico e segurança. corpos de plasticina. magros. obesos na sua pornografia. pornográficos na sua vaidade. vazios no seu desejo. com milhares de línguas que lhes percorrem a boca. seres de olhos inquietos. seres de ouro sujo. mergulhados na areia. como míseros vermes do passado. queimadores de livros e de palavras. riso. evasão. electricidade. tudo é físico nos lugares que me percorrem. sangue. e se de repente. e se de repente. e se de repente. corte abrupto no discurso. nas estradas lineares que o meu olhar percorre há algo que faz sorrir os dias. o resto é o zero. a morte virá lenta.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

- é verdade? isso tudo?
- às vezes tento que sim.
- porque não usas símbolos?
- porque não gosto. a vida já não tem símbolos.
- segues quem?
- henry miller. deixa-me rir. sei lá quem sigo. uma voz.
- uma voz?
- sim, a escrita é uma voz.
- ou seja, o processo de fixação da voz...
- é a literatura. a literatura é um estilo. uma voz não é um estilo.
- a voz não é literatura?
- não. só o processo da sua fixação.
- porque não escreves mais?
- porque desenvolvi um bloqueio. fiquei preso numa meia dúzia de textos.
- explica.
- mergulhei num conjunto mínimo de palavras e custa-me sair delas. como se elas fossem eu. custa-me sair de mim. por isso o teatro actor se me torna difícil. porque as pessoas por vezes têm de esquecer-se delas próprias.
- e isso quer dizer que?
- que por vezes tens de te esquecer de ti para poderes continuar o teu rumo.
- voltemos à escrita. à voz. a voz aparece?
- não. a voz está lá sempre e vai-se tornando cada vez mais ruidosa. a voz é uma espécie de solidão. ninguém lhe fala. ninguém a pode deitar abaixo. ninguém a pode criticar.
- acreditas que ninguém pode destruir a voz?
- sim. ela pode ficar abalada ou fraca mas nunca pode ser anulada. só o suicídio pode silenciar a voz. ninguém pode, por não ser possível. a voz mesmo que não se torne literatura insiste-se por dentro.
actos de canibalismo bárbaro na cabeça dos outros.
cicatrizes mais sangrentas do que feridas.

escrever sem verbos. escrever sem acções.
substantivos. coisas. nomes de coisas.
definições de coisas.

terça-feira, 13 de abril de 2010

domingo, 11 de abril de 2010

22 janeiro 1946 - 8 abril 2010



Eu sou o anjo do desespero. Com as minhas mãos distribuo o êxtase, o adormecimento, o esquecimento, gozo e dor dos corpos. A minha fala é o silêncio, o meu canto o grito. Na sombra das minhas asas mora o terror. A minha esperança é o último sopro. A minha esperança é a última batalha. Eu sou a faca com que o morto abre o caixão. Eu sou aquele que há-de ser. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã.
Heiner Müller
primavera
algo em mim se torna volátil
ando em círculos
com a vida às costas
não consigo pensar direito
não consigo escrever
não tenho orientação
as viagens saturam
as feridas não curam
tudo demasiado lento
as costas do avesso.
pouco dinheiro para viver.
dormir mal.
andar com o nariz entupido.
comer mal.
os ouvidos por vezes quase que rebentam com as conversas.
estar impaciente.
estar sem simpatias.
estar sempre em viagem.
descansar pouco.
nunca se sentir limpo.
estar vulnerável.
estar de volta.

sábado, 10 de abril de 2010

perspectivas do medo




se realmente se pode dizer que há uma influência... será esta a maior de todas as influências. não que outros não o tenham feito de uma forma mais pura ou mais adiante no contributo para a coisa, mas este conseguiu um acto de condensação imenso. um livro fragmento. um livro fragmento que no seu todo é uma construção de um absoluto quase mágico. um livro fórmula.