quarta-feira, 23 de junho de 2010

dizem que no fundo das misérias humanas se encontra a fórmula da felicidade. dizem muita coisa. aconteceu-me ficar surdo. era noite e a estrada era longa. o frio deveria ser insuportável como em todas estas histórias. os poemas já não me visitavam os pensamentos como num tempo distante. vivia o miserabilismo teórico da cabeça. apareciam criaturas com ar sacana e falavam-me. era desnecessário. eu olhava para as suas bocas grotescas em movimento e não percebia nada do que diziam. uns vomitavam aos meus pés com o descaramento de quem nada teme. não conheceram a vergonha dos dias. abriam a boca e fechavam-na como se isso tivesse alguma utilidade superior. bah. uma casa aparecia e eu entrava. arrastava o meu corpo de gorduras até uma porta metálica. eles estavam aí. comiam-se como vampiros de almas. eu agarrava nos meus venenos secretos e regava-os. eles decompunham-se rapidamente. devia estar um silêncio mortal no lugar. para mim era o mesmo. eu estava surdo e não tinha interesse nas partilhas. alguém com um ar insurrecto traz uma maçã brilhante. agarro nela e atiro-a com força contra a parede em frente. a parede está cheia de lesmas. esmagam-se umas com o impacto da maçã. salpicos de ácido e lesma sobre os vestidos das mulheres. alguns homens limpam o rosto. os outros que se comiam estavam já desfeitos no chão. vampiros derretidos na sua falcatrua. um tocava corneta. algo de anjo do apocalipse. uma mulher beija-lhe a corneta. ou a trombeta. ou o caralho. as lesmas direccionam o arrastar até aos vampiros desfeitos no chão. uma orgia de merda líquida. com um cheiro de corpo morto e podridão. deixo de ser surdo. grito-lhes com toda a força mas é só para me ouvir a mim. preciso de saber que estou vivo. a corneta cala-se. o corneteiro vomita perto dos meus pés. uma mulher de vermelho vem até ele. enfia-lhe uma língua viperina na goela. come o seu vómito. sopra no seu instrumento. eu parto vidros. e parto vidros. e mais vidros. tenho as mãos tão vermelhas como o vestido da puta das trevas. no dia seguinte. à mesma hora. o mesmo desfile de nadas mentais. através da estrada longa que se tornava casa.

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