quarta-feira, 16 de junho de 2010

aquecimento escrita nervos doença

sou um homem doente. sou um homem mau. sou um homem repulsivo, é isso que eu sou. cada vez tenho mais a certeza de que nasci para fazer alguma espécie de mal maior. tenho problemas emocionais fortes, aliados a uma instabilidade crónica. descobri isso numa manhã destas, quando tomava banho, depois de ter dormido muito pouco e ter bebido muito muito. é assim, para uns a consciência é um apoiante forte da vida, para mim é um elemento de desintegração grave. há coisas que não se conseguem ignorar quando são tornadas demasiado claras diante dos olhos. elas acabam por entrar como umas brutas pelo cérebro adentro, comem-no, desfazem-no, tornam-no líquido. porque será que tenho eu esta orientação natural para o sofrimento e para a atrocidade? não faço ideia. poderia discorrer horas e páginas a fio sobre as circunstâncias que me formaram enquanto homem, mas não quero, a culpa não pode morrer solteira e eu não me posso separar do mundo. sou instável porque sim. sou instável porque sou instável. ponto parágrafo. é uma coisa com a qual terei de viver todos os anos que me aguentar na minha miséria mental. já nem penso em anos. penso em dias. cada dia é uma dor específica. um conjunto de horas dolorosamente fatais. estou sujo. roído. obeso. destrutivo. as lágrimas caem-me agora com uma facilidade tremenda. sim, já tive melhores dias, ou será que devo dizer antes: sim, já tive ilusões. já conheci umas amostras de felicidade. houve um ponto no rumo que se despertou uma espécie de vírus. algo de maligno. algo que fez com que se alterasse a linguagem e as perspectivas. a maldade de dentro começou a ocupar todas as acções, até mesmo as mínimas, como uma mentira que cobre tudo como uma sombra, que não deixa a claridade aproximar-se da respiração. sim, sou sujo. o meu corpo está em revolta com a minha cabeça. vai-se afundando. de vez em quando sobe à superfície para ver as vistas mas volta a ir ao fundo para se esconder da visibilidade. as vistas são perigosas. as vistas permitem estranhos acessos de nervos e de apatia. estou doente. sinto-me doente num ponto do qual não posso regressar. e isso importa o quê? farei mais meia dúzia de coisas neste mundo? umas que sim e outras que não? isso não me chega. temos tão pouco tempo. perdemos tudo atrás de ninharias e falcatruas que não mostram qualquer tipo de princípios em relação à vida dos outros. crimes desfeitos. crimes perfeitos na sua ignorância vestida de crueldade. sim! crueldade! essa é cada vez a palavra mais certa no ambiente geral das coisas. crueldade. quando os olhos te olham com um fogo extremo. quando os olhos te atiram objectos cortantes. olhos superiores. como se estivessem uns patamares acima da tua cabeça insignificante. o poder do mal é meu. só a mim me pertence. o poder do meu mal é meu. a minha falta de rumo é minha. depois só apetece fechar o corpo numa casa obscura e gritar a tudo para que tudo saia. vomitar o tudo até que o vómito se torne numa forma de cura. chorar o tempo. obrigar o corpo a descargas líquidas. despedaçar braços e barrigas. ficar cego. perder a boca. perder o sentido. é o tal grau zero onde tudo começa depois de tudo acabar. talvez o ponto do silêncio e o fim das palavras. porque as palavras são malignas. e quem domina palavras malignas orienta a cabeça para o caos. é verdade que há seres que possuem a sua luz. é verdade que os há, uns com mais luz e outros com menos, não importa também. há luzes que só são capazes da cegueira e não vejo a diferença qualitativa em relação à obscuridade. não sei o que será pior. dois crimes perversos. crime é crime. crime é crime. depois chega-se à porta dos lugares e cospe-se para a rua umas frases sem sentido. para as ruas de gente. umas frases de perigo. possivelmente egoístas. mas não me falem em egoísmo nem em inconsciência. que as borboletas são todas coloridas. há borboletas que trazem um veneno raro nas asas. miseráveis borboletas que jogam nos patamares mais rasteiros da aparência. e o seu veneno espalha-se pelo ar como uma coisa mortalmente criada. fumo demasiado. bebo demasiado. morro demasiado lentamente. roubo ideias aos outros porque sinto o meu vazio delas. na minha cabeça as ideias circulam como um turbilhão de fogo mas eu não as consigo fixar. é uma impossibilidade física. pretendo sentir a fome até me obrigar a comer.

e agora... vou escrever para outro lado.

5 comentários:

  1. Lembro-me dessas frases em itálico de uma peça que fui ver ali para os lados da Rua da Cale.

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  2. as primeiras sim, aquelas quase no fim são roubadas de um poema do heiner muller!!!

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  3. E eu a pensar que era tudo original...

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  4. são só os itálicos. é que ando a fazer um subterrâneo escrito 2010, não que eu me julgue um dostoievski... mas preciso de mandar o fígado para fora!

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  5. ah ok, então percebi mal...
    e parabéns pelo figado e outras tripas...

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