quinta-feira, 15 de abril de 2010

e se de repente uma estranha vontade de fuga se apoderasse de todos os sentidos. se de repente fosse uma identidade ocupada por animais mínimos. um desejo de imensidão. um desejo de estar de fora deste invólucro que é liberdade e ao mesmo tempo saturação carnívora. era a vontade de agir sobre as moléculas do corpo. o eterno chamamento do abismo. porque o corpo torna-se apertado para a sua treta. o corpo invadido pela luz opaca das cidades. das ilusões. que a realidade não visita. e se de repente ao andar descalço nas colinas do mundo, se de repente uma luz fragmentasse tudo. voar pela imensidão do caos. chocar com partículas de dimensão absurda, tão absurda quanto a minha, chocar com semelhantes sonhos, viagens, mentiras, verdades, ilusões, se chocar provocasse uma fusão dentro da realidade criada pelo desejo absoluto. mundo. estranho e inquieto mundo. metido na deriva de si mesmo. implosivo. porque o homem é um buraco negro que suga a sua matéria total. entra-se num lugar de ninguém e sai-se do lado do nada. menos do que nada. depois do sofrimento. depois do grito perder o sentido e as imagens serem tão abstractas quanto a morte. que desfilam em janelas binárias. que por vezes até possuem uma voz ridícula. que até se pavoneiam como soldados diante do grande imperador futuro. mas o futuro... esse que não pertence a ninguém, ignora os olhares informáticos, ele enfia-se nos casulos insectos da realidade. e eu ando aqui. e se de repente uma descarga me saturasse de tal forma que eu passasse para dentro da terra. como um condutor de linhas. se se se se. e se de repente o nada. ali tão perto da minha mão. ali tão perto da cabeça. ali o caos debaixo da minha cabeça de olhos. e as vozes que são palavras que se tornam gigantes no seu nada. que o asco visita o estômago quando elas se intrometem furtivas na cabeça. vozes espalhadas por ecrãs. vozes que são despojos de plástico e segurança. corpos de plasticina. magros. obesos na sua pornografia. pornográficos na sua vaidade. vazios no seu desejo. com milhares de línguas que lhes percorrem a boca. seres de olhos inquietos. seres de ouro sujo. mergulhados na areia. como míseros vermes do passado. queimadores de livros e de palavras. riso. evasão. electricidade. tudo é físico nos lugares que me percorrem. sangue. e se de repente. e se de repente. e se de repente. corte abrupto no discurso. nas estradas lineares que o meu olhar percorre há algo que faz sorrir os dias. o resto é o zero. a morte virá lenta.

1 comentário:

  1. não sei o que escrevias em Lisboa, mas estes cinzentos partos da invicta ficam-te muito bem.

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