quarta-feira, 7 de abril de 2010

-pois, já não te punha a vista em cima desde o ano passado.
-é verdade. estou mais magro, não achas?
-sim, estás mais magro e com o cabelo maior.
-é o costume na vida, e a sorte é que vou cortando as unhas.
-estás com bom aspecto. melhor do que eu.
-as coisas correram-me bem, sabes, o mundo não deixou de rodar depois daquilo.
-ainda bem que pensas assim.
-tu também devias pensar.
-chega. já não podes dizer-me mais como pensar.
-eu sei. isto era só uma coisa que eu penso que tu devias começar a fazer.
-acreditas na vida depois da morte?
-não.
-e acreditas que morremos um pouco todos os dias?
-sim, talvez.
-e acreditas que há dias em que morremos mais do que outros?
-sim, é possível que sim.
-pois eu morri um bom bocado depois daquilo. mas tu estás mesmo com bom aspecto.
-obrigado. estás a deixar-me com vergonha.
-deixa lá isso. passámos tanto tempo juntos que a vergonha é uma mentira.
-sabes lá tu, talvez a vergonha nunca tenha desaparecido.
-não quero ter estas conversas agora.
-nem eu. mas parece que tu atrais isso. esse teu peso.
-vai-te foder mais o meu peso. nunca és capaz de falar do teu peso. porque tu tens um peso. tu também tens um maldito peso que não te larga. que também me pesou nos ombros.
-tem calma.
-não tenho calma nenhuma. não me peças para ter calma.
-foi um engano ter-te encontrado.
-foi um engano ter-te conhecido.
-e agora?
-hei-de apagar-te de mim.
-claro.
-seguiremos cada um o seu caminho. ambos diferentes. ambos perversos.
-isso não é de um livro?
-ui... também já lês?
-filho da puta.
-eu sei. chega desta treta. dás-me vontade de vomitar.
-vai-te embora.
-vai tu.
-contamos até três e vamos os dois.
-pode ser.
-conta tu.
-não, conta tu.
-está bem.
-pensando bem, não contes nada. vai morrer longe. adeus.

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