quarta-feira, 14 de abril de 2010

- é verdade? isso tudo?
- às vezes tento que sim.
- porque não usas símbolos?
- porque não gosto. a vida já não tem símbolos.
- segues quem?
- henry miller. deixa-me rir. sei lá quem sigo. uma voz.
- uma voz?
- sim, a escrita é uma voz.
- ou seja, o processo de fixação da voz...
- é a literatura. a literatura é um estilo. uma voz não é um estilo.
- a voz não é literatura?
- não. só o processo da sua fixação.
- porque não escreves mais?
- porque desenvolvi um bloqueio. fiquei preso numa meia dúzia de textos.
- explica.
- mergulhei num conjunto mínimo de palavras e custa-me sair delas. como se elas fossem eu. custa-me sair de mim. por isso o teatro actor se me torna difícil. porque as pessoas por vezes têm de esquecer-se delas próprias.
- e isso quer dizer que?
- que por vezes tens de te esquecer de ti para poderes continuar o teu rumo.
- voltemos à escrita. à voz. a voz aparece?
- não. a voz está lá sempre e vai-se tornando cada vez mais ruidosa. a voz é uma espécie de solidão. ninguém lhe fala. ninguém a pode deitar abaixo. ninguém a pode criticar.
- acreditas que ninguém pode destruir a voz?
- sim. ela pode ficar abalada ou fraca mas nunca pode ser anulada. só o suicídio pode silenciar a voz. ninguém pode, por não ser possível. a voz mesmo que não se torne literatura insiste-se por dentro.

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