domingo, 24 de outubro de 2010

e um dia vieram os pássaros distantes deitar fogo ao meu caminho. a alma não estava guardada e a aventura abria-se luminosa diante do corpo. noutros lugares diziam-se revoltas programadas. leituras inocentes de rebeliões mascaradas de fugas. a atrocidade é um sentido geral do fracasso. a mãe de um caiu sobre as pedras e não tornou a ver-se em espelhos. as proibições eram antagónicas. buscava-se alimento nos caixotes de fome. uma cidade deserta debaixo dos pés. correr sem escorregar em ruas molhadas. tomar banhos de chuva. mudar a respiração para uma casa em ruína e ir reconstruindo a vida aos poucos. já se merecia um pouco de silêncio. mas o fumo parece um inimigo constante e perverso e não deixa o sono vir descansar no meu pescoço. uma lágrima passeou depois do rosto. fez um pequeno mapa ácido. rosto peito chão chuva. coisas deixavam de ser coisas enquanto brincávamos. brincámos pouco. o mundo exigia vozes fortes e corpos gigantes. o poder enojava-me. o dinheiro trazia matéria morta das entranhas. afinal o que se procurava? de que lado estava o horizonte cheio de névoa e brilho? com as labaredas de um futuro cheio de paixão e de vida? de que lado estava o eu? o que era o eu? mera máquina funcional num sistema de máquinas enormes que sugavam tudo. que sugavam toda a força mínima que o corpo conhecia. começaram a vir linhas amarelas. as estradas deixavam a sua continuidade cortada. não se propagavam. chegava a noite e o olhar insistia-se baço. os fogos do mundo ardiam loucos. as pessoas ardiam loucas. explosivas. sonoramente brutas. às golfadas de sexo e profanação. comia-se com as mãos sujas do poder mesquinho do umbigo carunchoso. o carnaval já não era mais do que um crime maligno. a regra do lucro dizia silêncio e o silêncio instituía-se. os habitantes perdiam uma espécie de olho da consciência. lutavam. uns contra os outros ou contra si próprios. não fixavam um inimigo comum. implodiam. esqueciam-se de si. mortos vivos que provocavam a derrocada da sua carne por uma moral inócua. televisiva. uma vez uma mulher chegou com a falcatrua dos documentos. ela percebia dos documentos. a sua voz tremia na segurança que os documentos lhe davam. fixava os olhos do mundo com um mistério animalmente sombrio. a minha cabeça. a minha cabeça nas pedras. as pedras que de repente se tornavam vidros coloridos cheios de metáforas e frases feitas. tenho inquietações de fuga. fumo. cinzento na pele. obscuro no cérebro.

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