terça-feira, 21 de setembro de 2010

depois vinham com mãos leves e sujas de cinza. queriam voltar a tocar-te. o vento empurrava esse pó descolorado para longe dos teus olhos. havia ainda algo que ardia mas que rapidamente era esquecido. ou escondido. ou que funcionava como um eclipse. a fugacidade do futuro era tão habitada pela instabilidade que não se sabia nem se dizia nada. uns rastejavam como seres de estranha superioridade diante do teu corpo. diziam eu eu eu eu eu eu eu eu. os olhos e os ouvidos já se desligavam desse lado absurdo. vinha o fumo e a bebida. o amor chamava-te na distância miserável dos dias. por vezes uma voz escutava-se como se fosse uma linha de uma rua. andava-se nela. viajava-se numa esperança sonora dominada por um secretismo de atrocidade. tinha ódio a palavras. as mãos tremiam nas noites e vinham acompanhadas de uma transpiração fria. filmes para conseguir dormir. correr na rua. roubar conversas a alguém como se isso fosse uma condição final de sobrevivência. quem estaria escondido do outro lado do espelho? alguém te olhava com a mesma realidade essencial e defendida a todas as horas? quem és? a pergunta tornava-se num ruído de água e de saliva que divagava no espaço por cima da cabeça. o nada mental. talvez menos. uma corrente silenciosa que tinha roubado a forma do corpo diante dos seus olhos carnívoros. algo se passava de estranho e milagrosamente inconsequente. algo se passava. a luz deslizava suave mas com as mãos e a boca num outro sexo musical e nada fazia nada. ninguém impedia a guerra. ninguém se revoltava contra tamanho crime. normal. os ecrãs tornaram as pessoas objectos da vontade. o mundo remeteu-se ao carácter silencioso do crime perfeito. um pai disse isto é o meu sangue. os filhos defenderam o mesmo rumo feito de merda e líquidos belicosos. a mãe era tão desnecessária que nem é para aqui chamada. mãe de cinza. consumidora de páginas de respirações vazias. carburadora subtil de mentiras e abstracções. ele lá se ia desenrolando como a carne nos mercados urbanos. carne ignorante e saturada dos sonhos e congelada como a melancolia da idade passada. alguém trouxe uma carta a dizer que o crime era uma opção coerente da vida. as trombetas e os tambores tocaram marchas. os olhos puseram-se no terreno do combate. o horror era apenas uma passagem para um lugar de dentro.

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