segunda-feira, 1 de março de 2010

a ferida teimava em manifestar a sua presença na vergonha dos dias. insinuava-se castanha no pulso. umas linhas direitas com uns pontos que a atravessavam dos dois lados. se naquela noite de inverno... se naquela noite de inverno tivesse seguido a estrada. com o corpo no frio limite da vida. depois da explosão violenta da verdade diante dos olhos. depois era tarde. talvez a vida por vezes seja apenas um abrir e fechar de olhos. talvez quando os teus amigos te limpam o sangue do rosto, quando o medo se apodera do vazio, quando a acção se desloca para um ponto autónomo. há um risco que começa a desenhar-se nesse preciso momento. o maldito acidente. depois do momento flash em que o nada desfila na boca como um ácido. a vergonha consciente da merda engolida na luz branca dos hospitais. inventar frases para os pontos. cada um deles é uma diferente conjugação de palavras. e os ferros atravessam a pele. tiram vidros de dentro do corpo. uau. tiram vidros de dentro do corpo. e um dia até tiram os malditos atilhos que prendem os dois lados da pele afastados pela violência do passado. mas eles estão lá para sempre. tatuados. como uma máscara insurrecta e pornográfica que mostra um vazio eterno. um vazio que é mais do que uma sombra. que é como um nome que te dão num qualquer nascimento para as coisas. a morte não tem a ver com isto. os vidros não estavam dentro do corpo porque ele quisesse morrer. não. os vidros estavam dentro do corpo porque o corpo talvez precisasse dos vidros para uma luta com um grau superior da solidão e dos fantasmas. não tem a ver com controlar nenhuma forma de angústia. não diz também respeito à morte. os braços brancos que aniquilavam a carne quente de repente superam-se a si mesmos. a carne quente num acto de emancipação revolta-se com a sua condição de dejecto. flash. garrafas partidas. parede. merda. rua. não que isto tenha de ser relatado. porque isto não tem de ser relatado. isto é meu. isto sou eu. e eu estimo bem que se foda qualquer relação de circunstância com o maldito acontecimento. ponto parágrafo. nada mais a declarar.

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