terça-feira, 9 de março de 2010

a bela e o monstro, apontamentos pessoais

não se sabe se é certo que os pontos limite do mundo se encontram no infinito. no infinito ou na realidade. diz-se que se encontram. isto assume-se como verdadeiro. que tudo se abre até que se anula e outras grandes verdades dos livros mal cheirosos da filosofia. o que acontece na bela e o monstro não é um encontro entre um homem e uma mulher. não é uma comunhão solene da beleza e da bondade. o que acontece é um encontro sagrado entre o belo e o feio. por estranho que pareça, tudo aquilo que há de belo neste mundo acaba por ter um ponto equiparável no campo do horror. só o belo anula o horror. há uma estranha inclinação para o obscuro quando se está na luz. o tema da bela e o monstro não é o amor. tal como o tema de romeu e julieta não o é também. bem vistas as coisas, nenhuma história dos romances sagrados universais se baseia numa questão não conflitual, há sempre um combate absoluto por detrás da acção. aqui temos o caso pedro inês, que, se não fosse a crueldade que criaram no desenlace, nunca tinha passado da mera novela palaciana. ainda acredito hoje que a tragédia é o ponto mais elevado da criação teatral e literária, nada consegue escapar ao ponto elevado da tragédia. a bela e o monstro, mesmo que a transformação do feio se efectue no final, que o mundo fique belo, que as almas se tornem possíveis, não deixa de mostrar de uma forma crua toda a mediocridade das irmãs e do mundo que atirou para as trevas aquele que era o feio, tornado feio. há uma estranha necessidade de maldição e há uma estranha necessidade do exorcismo dessa mesma maldição. não é uma questão de amor. quando ela volta atrás não é por amor. ela volta por uma questão de piedade. há um sentido de justiça que se cumpre no regresso. como se fosse o amor a cura para o feio. o monstro diz que o poder da mulher é ver a beleza. e quando ela vê a beleza ele transforma-se. é um encontro estranhamente necessário. numa escala gráfica o ponto mais elevado da história acontece quando ela o vê. quando ela o vê belo é quando acontece a cura, mas essa cura já é apenas uma consequência do terror. o encontro entre o horror e a luz é um encontro que toca no sagrado. são-se essenciais. um não existe sem o outro. sabemos o que é belo porque conhecemos o que é feio e o mesmo vice versa. o horror da tragédia só faz sentido na sua libertação. a libertação só pode surgir de um aprisionamento.

1 comentário:

  1. Fiúza, Fiúza

    O que retiro deste texto, o que leio nos pedaços de cinza do real que espalhas nas palavras que escreveste, é profundamente doce.
    Obrigada.

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