terça-feira, 30 de novembro de 2010

apontamento. as criaturas.

- para onde vais?
- agora?
- sim.
- para um lugar distante.
- porquê?
- porque acredito na liberdade e blablabla.
- é um direito. mas sabes que não podes viver sozinho.
- eu não vivo sozinho.
- não?
- não. tenho as minhas vozes.
- vozes? que vozes?
- posso chamar-lhes fantasmas.
- os fantasmas são ligações mal resolvidas do passado.
- os fantasmas são um instrumento para a resolução do futuro.
- como assim?
- sento-me num café de gente alheia. passado um pouco começo a centrar-me nas línguas estrangeiras dos outros. passado um pouco desligo-me para não me massacrar com a vulgaridade envolvente. passado um pouco vou-me embora.
- pensas que és especial?
- não. detesto reconhecer-me nos outros.
- para onde vais então?
- para onde não me descubra.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

gosto disto.

para onde caminhava? silencioso na essência vaga da carne ferida, coberto por uma qualquer couraça de vinagre e solidão. desfilava pelas pedras com o casulo de ar por cima das costas que lutavam para contrariar o sentido do chão. uns dias eram armadilhas, mas não seriam todos? não seriam todos um oceano distante de vidas em sobressalto, carregadas de um tempo maquinal? alguém dizia rindo: o que se procura sempre é a felicidade! depois dessa afirmação mágica soltava gargalhadas e explicava o reduto condicionante dessa felicidade, eram coisas, visitas, imagens de vidros brilhantes, fugas. eu não dizia nada, queria tão pouco, queria só poder viver aquele momento ínfimo debaixo da chuva, poder sorver a água no canto da boca e sorrir, sorrir milagrosamente com a boca molhada pela liberdade. a questão era o caminho que se fazia, ia vendo o futuro cada vez mais caleidoscópico, cada vez mais não linear, cada vez mais fragmentado. o corpo ressente tudo isso. a cabeça também. os outros também. tinha aquele punhado de gente que era minha. que é minha. que é minha porque também eu lhes pertenço. o tempo esmaga-me com uma claridade musical. danço em círculos de desatenção e de caos. mergulho distante. talvez nada possa fazer. já me disseram que a minha vida era impossível. já lavei essa frase. quando me provarem as possibilidades que o mundo lhes mostra diante dos olhos, aí sim, baterei continência à sua grande verdade reduzida. chega de falar de fantasmas, a fase não é essa. a fase é criativa. a fase é de experimentar a própria fase. chega de lutos sinuosos por pedras bicudas. decisões. decisões. acção. sugar o conhecimento que o mundo carrega. sugá-lo com orgulho. não perder tempo. correr. correr. de vez em quando vai-se contra algum objecto mais ou menos cortante mas é mesmo assim. qual é a piada de andar em rectas?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

24 de novembro. greve geral. porto.

estava pouca gente no centro da cidade. estava frio. era uma espécie de domingo e ao domingo quando está frio as pessoas gostam de casa. muitas coisas abriram as portas para manter a economia viva e a conta sobrevivente. era provavelmente um dia que poderia ficar para a história... mas o problema do frio. não é por acaso que as revoluções são filhas do bom tempo. deu vontade de participar na ruptura e fui para o centro. com a ilusão da mudança. mesmo com umas imagens de poesia a circular-me na cabeça enquanto me dirigia para o centro. maldito frio. o centro estava inanimado. umas pessoas com uma revolta irónica e completamente inofensiva desfilavam tantans de outros tempos. era uma espécie de desfile teatral foleiro e surrealista. com uma política de pacotilha a armar ao cagalhão intelectual e maldito de um certo estilo de literatura. ficou-se ali numa clareira no meio da meia dúzia. estava mesmo frio. estava frio e a massa humana não aquecia. pior. também não arrefecia. nada a acrescentar. como há quem saiba que o povo tem certas tendências carneirísticas e primeiro matar a fome e só depois fazer a revolução... nem a massa humana que estava contra o sistema aquecia a alma e nem a massa humana que defende o sistema compareceu. um mísero carro de segurança escolar com dois agentes fardados. um carro parado ao pé de um banco com três agentes fardados. nada mais. nem uma caganita de crédito o sistema dá a estas manifestações de quase afecto rancoroso. com uns tantans de fundo e uns slogans esbatidos e envergonhados com umas siglas irónicas e outras palermices que tais. impossível para mim perceber uma coisa. como é que não há jovens a fazer revoluções? a classe estudantil não compareceu. o tal famoso operário também não. esta espécie de domingo de inverno que se vivia não me conseguia alegrar minimamente. na noite anterior tinha sonhado grandes frases. ali apresentava-se-me o fantasma cadavérico do imutável. a decomposição vivida em tempo real desta forma de luta. para defender o meu pensamento disse-me a mim mesmo: espero que em lisboa tenha sido diferente. nada de extraordinário ouvi nas notícias. como se uma paragem fosse extraordinária. como se a solução fosse económica. como se a solução não passasse por uma mudança radical no conceito de ser humano. porque se vive no país que defende que a desunião faz a força. porque o país sou eu. e tu. e todos. que país? o que é um país senão a sua riqueza humana? sei lá eu de sistemas económicos... não há nenhum que funcione. só a abolição é contrária ao suicídio. e talvez a guerra seja melhor do que esta paz armada. esta paz conformista que permite que nos cansem a cabeça e nos matem o corpo com as suas ninharias de fato e gravata. com as suas fotografias. com os seus títulos de jornais. como se o universo imenso parasse por uma senhora alemã carregar no botão. ou um senhor francês. ou um senhor inglês. ou um senhor norte-americano. porque nós somos escravos silenciosos de uma ilusão da necessidade. não é o capitalismo sobrevivente que faz movimentar o universo. os domingos de frio e o resto dos dias da semana já me dão asco. as imagens da farda dos fatosgravatas já me dão asco. as frases que o mundo gasta com os discursos dessa gente já me dão asco. este sistema dá-me asco. a máquina exterior do mundo dá-me asco. os tantans do sobrevivente que manifesta o seu afecto rancoroso dão-me asco. os senhores que sabem que a malta é serena dão-me asco. abominei completamente este dia. que raio de tempo inútil que gastei no centro da cidade. que raio de frio. a conclusão: este país tem o que faz por ter. e isso dá-me um tremendo e insuportável asco.

peter christopherson. 1955 - 2010.

vivia dentro de uma explosão
numa prisão
implacável ao sonho
ócio
sacrificado
no desenrolar múltiplo
através de perspectivas
silenciosas
mega-mínimas
descendente de enigmas
ventos secos
atitudes
um homem ria
na fantasia abstraccionista
do vazio eminente
da ruptura de si
ele
mesmo
explosivo na essência
o problema era o resto
que atacava caninamente
a carne
revirada sobre areia
com canções assassinas
canhões reprodutivos
imagens fantasmagóricas
nas janelas meninas
dos olhos
quase profundos
profundamente
melancólicos

terça-feira, 23 de novembro de 2010

24 novembro

o que se procura agora? muito simples. preparar um espectáculo sobre o suicídio no meio rural. trabalhar mais uma vez os limites do ser humano. uma família do interior, com os seus dois filhos (filho e filha), com um terrível segredo que a mulher carrega sobre os ombros, uma paternidade adulterada do filho mais velho, fruto de uma relação antiga com um amante com o qual o homem disputa um poder de terra. temas principais: solidões, sexualidades, poderes sociais, estatutos, ligações humanas, transição de valores, etc's... uma super equipa que se vai reunindo. poder encenar um texto escrito a meias com o senhor josé carretas, ter uma companhia a produzir loucuras, trabalhar que nem um escravo para um ideal maior. às vezes é tudo assim, é preciso abdicar da vida para bem de um ideal maior, o teatro é talvez o último reduto, o teatro e o amor. se tudo correr bem... no próximo ano faz-se o balanço do regresso ao país, espera-se que não tenha sido em vão. o dinheiro é pouco e os meios são escassos. pensa-se muito em salvações sem que o corpo e a mente se vendam por nada, a dignidade não se vende, o sentido tem um valor incalculável. reflectir sobre o espectáculo de alpedrinha... tanta coisa para melhorar, ainda a bomba real estará para criar, um esboço de uma possibilidade. o que é preciso? a palavra que mais pode definir o teatro: compromisso. só com compromisso se chegam a absolutos. pena é os absolutos serem tão efémeros que ninguém lhes dê valor. estamos num mundo demasiado confortável com o seu caos para que se comece a procurar a verdadeira e urgente ordem. qual o objectivo do teatro numa sociedade que se esmaga como a um insecto? que se esmaga num suicídio de aparências e de luxos inócuos? qual a força concreta do teatro? qual a força motivadora do actor militante do humano? urge o tempo. urge a vida.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

as imagens mentais eram carregadas como troféus macabros. um homem fazia uma estranha dança antes da cópula. tornava-se inocente. ínfimo. depois crescia na sua atrocidade enquanto entrava. a mulher recebia-o desperta. se o sexo fosse duro a mulher cortava-lhe a orelha com os dentes. já tinha acontecido a alguns. heróis internos que tinham o seu tempo e as suas vozes. as pedras lá se transportavam de lugar para lugar. um dia chegou-se a uma casa coberta por insectos rasteiros. o homem e a mulher estavam descalços. o som foi crepitante e uma espécie de saliva quase sólida recolheu-se entre os dedos dos pés.
tremendamente aborrecido com isto tudo.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

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sexta-feira, 12 de novembro, músculos, alpedrinha, 22h. apareçam!!!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

as armas guardadas num canto húmido da boca. rasgada.
os homens com os seus casacos de cinza. rastejam sobre o fogo.
a guerra ímpia acrescenta um som à fome. democracia.
são as máscaras políticas da atrocidade. pulhas.
um trouxe um saco de vaidade. era uma guilhotina camuflada.
tinha uma filha sem cabeça nas mãos. pornografia.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

as coisas começavam lentamente a desaparecer debaixo dos pés gigantes. era um homem de barro. projectava visões que abrangiam distâncias magníficas. gritava a várias latitudes o pensamento em mudança da sua consciência cancerígena. havia algo que lhe tremia na voz. voz quebrada no movimento imediato da sua construção. o olhar negro. diziam que tinha uma colecção de selos marginais. que rompia lágrimas. que cavava sulcos no rosto. que a sua vergonha era demasiado interna para que fosse interdita. um poeta de poesia nenhuma. que não defendia o mundo. que não defendia a terra. e as coisas lá lhe iam desaparecendo com uma lentidão de atrocidade debaixo dos seus pés gigantes. sentia muitas vezes a raiva a ranger-lhe nos dentes. conhecia o sentido canino da guerra e era o que o alimentava. uma vocação animal. sentido aturdido e sem memória concreta. que palavras haveria de escrever depois de morto? como se os números pregassem partidas à miséria. haveria de começar a perfurar-se com combates loucos e no meio de incêndios incríveis. resto. zero.

quase a saber quando.