sábado, 27 de fevereiro de 2010

cegueira. respiração. dança. olhos fixos nas cavidades internas. olhando para dentro. dentro. implosão. histórias grandiosas de nadas finais. mundo. ou a ruptura demasiado fácil do corpo nervoso. consumo de imagens constantemente mortais na passagem fugaz dos dias. o nada que há-de vir. a violência do que vive. que se insiste na cabeça. quando o livro tem o rosto branco da morte falhada e provoca o vómito. e as vozes se perguntam qual é o teu lugar? e uma fome de terra árida se apróxima da boca. e o ar falta. e as mãos fazem movimentos bruscos para tentarem quebrar os seus limites. merda. alguém um dia descobriu a música. alguém inventou rituais bárbaros. carnificinas. informação. carreirismos públicos no meio da guerra e da desolação. consequência de todas as consequências: morte sustentada. os aplausos finais à barbaridade. e assim gira a crescente caixa dos horrores.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

está uma porta entreaberta. lá dentro uma sala mal iluminada de paredes frias e sem tinta. paredes esburacadas pelo tempo. a tonalidade é térrea. duas cadeiras. uma está de costas para a porta. ele está sentado nessa. outra cadeira. vazia e encostada à parede do fundo. distante da entrada. alguém abre timidamente a porta. é ela. ele pressente o movimento. diz entre por favor. ela entra. ele diz pode sentar-se ali e aponta para a outra cadeira. ela dirige-se para o lugar indicado. como num movimento de dança planeado ele levanta-se no momento em que ela passa por ele e dirige-se para a porta enquanto ela se dirige para a cadeira, fazendo assim com que ela não lhe veja o rosto. como numa coincidência cinematográfica, ele chega à porta ao mesmo tempo que ela chega à sua cadeira. ela senta-se. ele tranca a porta com duas voltas na fechadura e mete a chave no bolso. ela esboça um gesto de insegurança e de incómodo. ele diz-lhe agora dispa-se. ela movimenta-se na sua cadeira. ele digo isto sempre para evitar situações incómodas é uma forma de quebrar as barreiras percebe? ela faz um pequeno movimento com a boca. não é nem sorriso nem nada. apenas um pequeno movimento. ele começa. texto decorado. ainda bem que chegou. qual é o objectivo que a move não me diz respeito. o público é carnívoro. provavelmente será mais uma linha no seu imenso curriculum de espectador. já deve ter assistido a uma quantidade gigantesca de produtos artísticos. digamos assim. umas coisas mais ou menos exóticas. umas coisas mais ou menos boas. não interessa. aposto que será um daqueles seres que gostam de acumular informação. sabe que há uma diferença radical entre informação e conhecimento? isto não lhe interessa. na verdade nem a mim. tenho uma coisa para apresentar e é isso que farei. o nosso problema é que neste formato não sou eu o único que apresentará as suas falhas. eu também assisto à sua ruína. se me permite começa a despir-se enquanto fala costumo fazer isto para me sentir livre. depois de totalmente despido põe a roupa em cima da sua cadeira. tem a certeza que se quer manter vestida? repare bem. tenho uns músculos bem desenvolvidos. tenho força. e, repare bem, o meu caralho não é nada de deitar fora. ela sente-se bastante incomodada e começa a pensar que aquilo é uma daquelas grandes criações artísticas que pretendem o combate com o público. mas ele insiste na sua ideia. então? pense bem, estamos os dois aqui dentro. nenhum de nós tem nada a perder. eu estou aqui para a satisfazer e tu muda o tratamento para seres satisfeita. não é verdade? afinal de contas vieste aqui para quê? para veres uma grande verdade artística? alguma coisa que fosse uma reflexão sobre a vida? querias sair daqui a pensar no que viste? e amanhã contares aos teus colegas de merda que detestas a magia que viste aqui. imagina. podemos desatar aqui a foder que nem loucos. podemos aqui ser totalmente livres para criar a nossa representação. podemos desempenhar o mais básico e bárbaro de todos os nossos papéis. tens umas belas pernas. porque não te despes? não te sentes à vontade. posso apagar a luz se isso te ajudar. vai até ao candeeiro mas talvez não. se apagar a luz agora posso deixar-te numa situação bastante incómoda. afinal não me conheces. afinal posso ser um doido varrido que inventou este esquema para ganhar vítimas fáceis. posso rebentar-te aqui a cona se me apetecer. posso desfigurar esse teu belo rosto de boneca. estamos aqui só os dois. só os dois. ela levanta-se. ela nunca tinha estado nesta situação e não me agrada, acho isto ridículo, detesto estas criações provocatórias umbiguistas, se fizer o favor de me abrir a porta... ele querias. mas eu ainda tenho muito para dizer e ainda mais para fazer. volta a sentar-te. ela não se senta. pronto, eu peço de outra forma, volte a sentar-se por favor. ela já não vale a pena, já não acredito que isto se resolva, quero sair. ele estás bem enganada. agora é que isto se vai resolver. caminha violentamente na direcção dela e dá-lhe um murro nos dentes. ela leva as mãos à boca. ele dá-lhe com um joelho na barriga. ela curva-se. ele dá-lhe um pontapé nas pernas e ela cai. fica no chão a contorcer-se enquanto ele lhe dá pontapés. na cabeça. nas costas. na barriga. nas pernas. no rosto. indistintamente. ela chora. ele dá umas voltas pela sala e respira ofegante. começa a masturbar-se. dirige-se a ela. que mantém-se deitada no chão. sangra da boca. do nariz. tem o rosto arranhado de ter raspado no chão. ele agora tenho de ser eu a despir-te. rasga-lhe a saia e a camisola. ela tem o corpo ferido. ele dá-lhe mais um murro. e mais outro. e mais outro. e mais outro. adoro sentir o sabor do sangue na minha boca e beija-a na boca. ela chora e dá pequenos gritos. não são bem gritos. é um choro de desespero e de incapacidade. ele afasta-lhe as pernas e fode-a. vem-se nela. sai. levanta-se tudo teria sido muito mais fácil se tivesses entrado no jogo. eu não te queria magoar. atira-lhe com palavras. movimenta-se arrogante pelo espaço. estou a ficar com mais tesão. ela é um saco de despojos. ele entra nela como num nada de vazio absoluto então? estás a gostar? estás a gostar? ela não se move. chora silenciosa. ele coloca as mãos no pescoço dela. estás a gostar? estás a gostar? estás a gostar? ela deixa de respirar com um espasmo enquanto que ele se vem. liberta o seu líquido num corpo morto. deita-se no chão ao lado da mulher. da mulher. depois levanta-se e abre a porta. manda um grito para o fundo do corredor. próximo. arranja maneira de pendurar o cinto na parede e enforca-se. alguém abre a porta e assiste à ruína. o alguém que abre a porta corre a contar aos outros que esperam a vez o que viu naquela sala. todos se dirigem à porta e assistem à ruína. alguém diz aqui cheira a morte. alguém regista as imagens. alguém liga para a polícia. alguém chora. alguém vomita. alguém comenta. alguém nada. no dia seguinte as televisões e os jornais falam de um grau de violência limite levado a cabo num espectáculo. criam outro espectáculo. letras gordas performer mata e viola mulher e suicida-se em seguida. crime brutal em espéctaculo. espectáculo mórbido. etc... etc... lançam a semente.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010


já sei que me acusam muitas vezes de uma exagerada lamechice e outras parvoíces que tais... já sei que me dizem que a vida não é só desgraças... já sei que me dizem que o mundo não é só violência... podem dizer o que quiserem. esta música da nico é de uma beleza desconcertante. quero que seja a banda sonora desta minha noite. estou quase a ir para o porto. já sonho com isso. o teatro mais uma vez a chegar e a perguntar se estou pronto. vamos ver se desta vez salto. lá vai mais uma vez a mochila cheia de sonhos e disponibilidades. o teatro... se as coisas tivessem sido diferentes... torna-se tão difícil fugir ao que se é e já se morre tantas vezes. talvez tenha mesmo de ser assim. a rastejar. a acreditar sempre que um dia tudo vai mudar de repente. tudo vai amanhecer finalmente. é preciso andar sempre a recalibrar os planos. e o medo é um acessório tão ingrato. lá caem umas lagrimitas de vez em quando... mas também, quando se dá o corpo aberto às mudanças... arrisca-se sempre o tiro.

porque o tempo anula o medo. e o caminho apresenta as suas barreiras essenciais. os dias passam lentos agora. ou talvez seja o contrário. talvez se evaporem de lentidão. talvez as mãos vazias apontando a terra. talvez da boca o que saia seja apenas um grito seco. uma máscara de um grito. uma máscara que se recusa a cair. que atrofia os músculos. talvez o tempo seja um filho do medo. talvez o fumo seja um filho do tempo. o caminho orienta-se a si mesmo. o corpo em devaneio através das pedras. o fumo e o fogo. depois de beber água na sombra dos dias distantes. atirado o sal para o chão como nos rituais de combate. corpo contra corpo. chão tremente. fumo. envolvência. mãos abertas. o líquido dos dias que escorre para o centro da terra. saliva ácida. silêncio interno. bolha de ar. os cabelos de fogo que são cinza. a casa rasgada que não passou do papel.
um dos melhores álbuns de sempre de música e spoken word. the golden palominos e nicole blackman. com o esgotadíssimo álbum dead inside. que me perdoem os defensores do conceito direitos de autor... mas eu não resisto a isto. é importante que os criadores possam viver do seu trabalho. mas também é importante que as pessoas tenham acesso a produtos artísticos de qualidade. aqui fica o link: dead inside. the golden palominos.

se quiserem dar uma vista de olhos antes de sacar. aqui fica a página de nicole blackman no myspace. vale a pena. aqui estão participações em trabalhos dos the golden palominos e dos recoil. a estética dos textos ultrapassa a simples musicalidade. é brutal o ambiente. acho que é isto que se pode dizer, ou chamar, poesia. carregar aqui: aqui!!!
era o tempo da realidade. os homens metiam-se em barcos demasiado frágeis e partiam para o mar. as mulheres na praia. com lenços brancos de adeus e de lágrimas. as crianças à deriva sobre a areia molhada. rebolavam até se arranharem. os homens não olhavam para trás. as mulheres e as crianças molhavam os pés. cada um tinha a sua sorte. o tempo da realidade tinha as suas orações e as suas suspeitas metafísicas. o tempo de um deus maior. os barcos eram como cascas secas no meio da água tormentosa. o medo apenas pairava sobre as cabeças. o medo nunca descia ao corpo. renegado para um fim apocalíptico. os homens sentiam a sua solidão animalesca no meio da tormenta. as mulheres e as crianças sonhavam regressos. outros vieram. aproveitaram a ausência e marcaram cruzes na terra. as casas ocupadas por corpos de fúria estranhamente cobertos pelo ruído do prazer. o vento veio e e com ele a areia cobriu a costa. as casas desapareciam com os seus enigmas. contavam-se histórias. homens sem cabeça que devoravam os olhos desconhecidos e transformavam as habitações familiares em túmulos de horror. nada disto era verdade. uma vingança desconhecida que era uma espada gigante que descia das núvens e varria tudo. tudo até só restar um silêncio. o vento rasteiro na areia. uns lenços. cabelos que voavam até baterem em troncos perdidos por ali. pela terra molhada e inquieta. pela solidão do mundo em constante transformação. como bolhas de água em ebulição. como o pensamento impossível de agarrar com as mãos. o pensamento que não se fixa. que nasce da necessidade. os homens tinham o seu segredo. tinham o crime nas mãos. regressavam na noite misteriosa e viam as mulheres mais o visitante estrangeiro. cabeças que rolavam. os gritos das crianças. as casas que se tornavam irrespiráveis sem o ar que circulava. casas obscuras. em que a areia nascia das paredes. em que os habitantes do seu dentro morriam afogados com a areia na boca nos olhos no nariz. era o tempo da realidade. da dura realidade. dos invasores. um dia os homens começaram a ir para o mar com o seu saco de ilusões. transformou-se a vida numa coisa da superfície. as mulheres e as crianças comeram o fardo insuportável do efémero. nunca mais houve crimes. nem silêncios. nem gritos. nem sonhos. nem histórias. chegaram as máquinas da distância e exterminaram as casas mais os seus habitantes. os homens viram o fumo e as manchas de pó ao longe na terra. para quê o regresso? a tormenta sempre vence. o tempo não tem aqui nenhuma palavra.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

a menina grita, tem os tentáculos do poder demasiado afiados para fazer carícias e assusta-se. a menina grita. deitada na relva. na sombra precoce da ilusão. a menina grita. mas quem é a menina? desde quando é menina a menina? a menina que usou bigodes postiços, bigodes de algas, bigodes de merda. bigodes de saliva que lhe conspurcavam a boca como um vómito. barbas. a menina grita. a menina dança. a menina não é menina nenhuma. escorre pelas ruas fora. debaixo de ilusões. debaixo do seu futuro radioso de menina. no seu futuro radioso de menina. no seu mundo de ilusão. crime. crime. música ou dança. menina deitada. sentada. saltitante. os olhos que se atiram para fora da caixa craniana e que esperam que as suas mãos estejam em baixo. mãos de sono. sonho. tantas vezes o sonho se confunde com um cheiro de latrina que chega a provocar vómitos. mas a menina grita. o que conta é que a menina grite. que a menina dance. que a menina dance no meio do ruído telescópico. que a menina se atire da sua mesa para as mãos dos fiéis. que caia. que ande sobre a água como um messias distante. a ferrugem dos dias ocupa o solo. anda-se nele. come-se nele. mas a menina respira um estranho ar superior. o maldito ar da sobrevivência. o maldito ar corrupto da sobrevivência. e a menina espalha terror à sua volta. tudo morre no seu horizonte de contemplação. tudo se torna turvo. os seres de ouro das ruas da cidade zero vomitam com o passar da menina. ganham uma doença incurável. uma doença nova. uma doença de tempo. começa a cair cinza. chove cinza. cai uma coloração aérea sobre as cabeças. ninguém respira. mas a menina lá insiste nos seus gritos. no seu solilóquio carnalmente artificial. e depois o homem está no centro da pista e ela beija-o com um vómito vulcânico. ele não respira. a menina beija-o com o seu vómito e fura os olhos do homem com os seus tentáculos afiados de poder. e o homem cai como os seres da rua da cidade zero. e a menina voa sobre ele e executa danças alucinantes. o homem afunda-se na terra. a menina voa. voa. voa. voa.

mensagem primeira