sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

está uma porta entreaberta. lá dentro uma sala mal iluminada de paredes frias e sem tinta. paredes esburacadas pelo tempo. a tonalidade é térrea. duas cadeiras. uma está de costas para a porta. ele está sentado nessa. outra cadeira. vazia e encostada à parede do fundo. distante da entrada. alguém abre timidamente a porta. é ela. ele pressente o movimento. diz entre por favor. ela entra. ele diz pode sentar-se ali e aponta para a outra cadeira. ela dirige-se para o lugar indicado. como num movimento de dança planeado ele levanta-se no momento em que ela passa por ele e dirige-se para a porta enquanto ela se dirige para a cadeira, fazendo assim com que ela não lhe veja o rosto. como numa coincidência cinematográfica, ele chega à porta ao mesmo tempo que ela chega à sua cadeira. ela senta-se. ele tranca a porta com duas voltas na fechadura e mete a chave no bolso. ela esboça um gesto de insegurança e de incómodo. ele diz-lhe agora dispa-se. ela movimenta-se na sua cadeira. ele digo isto sempre para evitar situações incómodas é uma forma de quebrar as barreiras percebe? ela faz um pequeno movimento com a boca. não é nem sorriso nem nada. apenas um pequeno movimento. ele começa. texto decorado. ainda bem que chegou. qual é o objectivo que a move não me diz respeito. o público é carnívoro. provavelmente será mais uma linha no seu imenso curriculum de espectador. já deve ter assistido a uma quantidade gigantesca de produtos artísticos. digamos assim. umas coisas mais ou menos exóticas. umas coisas mais ou menos boas. não interessa. aposto que será um daqueles seres que gostam de acumular informação. sabe que há uma diferença radical entre informação e conhecimento? isto não lhe interessa. na verdade nem a mim. tenho uma coisa para apresentar e é isso que farei. o nosso problema é que neste formato não sou eu o único que apresentará as suas falhas. eu também assisto à sua ruína. se me permite começa a despir-se enquanto fala costumo fazer isto para me sentir livre. depois de totalmente despido põe a roupa em cima da sua cadeira. tem a certeza que se quer manter vestida? repare bem. tenho uns músculos bem desenvolvidos. tenho força. e, repare bem, o meu caralho não é nada de deitar fora. ela sente-se bastante incomodada e começa a pensar que aquilo é uma daquelas grandes criações artísticas que pretendem o combate com o público. mas ele insiste na sua ideia. então? pense bem, estamos os dois aqui dentro. nenhum de nós tem nada a perder. eu estou aqui para a satisfazer e tu muda o tratamento para seres satisfeita. não é verdade? afinal de contas vieste aqui para quê? para veres uma grande verdade artística? alguma coisa que fosse uma reflexão sobre a vida? querias sair daqui a pensar no que viste? e amanhã contares aos teus colegas de merda que detestas a magia que viste aqui. imagina. podemos desatar aqui a foder que nem loucos. podemos aqui ser totalmente livres para criar a nossa representação. podemos desempenhar o mais básico e bárbaro de todos os nossos papéis. tens umas belas pernas. porque não te despes? não te sentes à vontade. posso apagar a luz se isso te ajudar. vai até ao candeeiro mas talvez não. se apagar a luz agora posso deixar-te numa situação bastante incómoda. afinal não me conheces. afinal posso ser um doido varrido que inventou este esquema para ganhar vítimas fáceis. posso rebentar-te aqui a cona se me apetecer. posso desfigurar esse teu belo rosto de boneca. estamos aqui só os dois. só os dois. ela levanta-se. ela nunca tinha estado nesta situação e não me agrada, acho isto ridículo, detesto estas criações provocatórias umbiguistas, se fizer o favor de me abrir a porta... ele querias. mas eu ainda tenho muito para dizer e ainda mais para fazer. volta a sentar-te. ela não se senta. pronto, eu peço de outra forma, volte a sentar-se por favor. ela já não vale a pena, já não acredito que isto se resolva, quero sair. ele estás bem enganada. agora é que isto se vai resolver. caminha violentamente na direcção dela e dá-lhe um murro nos dentes. ela leva as mãos à boca. ele dá-lhe com um joelho na barriga. ela curva-se. ele dá-lhe um pontapé nas pernas e ela cai. fica no chão a contorcer-se enquanto ele lhe dá pontapés. na cabeça. nas costas. na barriga. nas pernas. no rosto. indistintamente. ela chora. ele dá umas voltas pela sala e respira ofegante. começa a masturbar-se. dirige-se a ela. que mantém-se deitada no chão. sangra da boca. do nariz. tem o rosto arranhado de ter raspado no chão. ele agora tenho de ser eu a despir-te. rasga-lhe a saia e a camisola. ela tem o corpo ferido. ele dá-lhe mais um murro. e mais outro. e mais outro. e mais outro. adoro sentir o sabor do sangue na minha boca e beija-a na boca. ela chora e dá pequenos gritos. não são bem gritos. é um choro de desespero e de incapacidade. ele afasta-lhe as pernas e fode-a. vem-se nela. sai. levanta-se tudo teria sido muito mais fácil se tivesses entrado no jogo. eu não te queria magoar. atira-lhe com palavras. movimenta-se arrogante pelo espaço. estou a ficar com mais tesão. ela é um saco de despojos. ele entra nela como num nada de vazio absoluto então? estás a gostar? estás a gostar? ela não se move. chora silenciosa. ele coloca as mãos no pescoço dela. estás a gostar? estás a gostar? estás a gostar? ela deixa de respirar com um espasmo enquanto que ele se vem. liberta o seu líquido num corpo morto. deita-se no chão ao lado da mulher. da mulher. depois levanta-se e abre a porta. manda um grito para o fundo do corredor. próximo. arranja maneira de pendurar o cinto na parede e enforca-se. alguém abre a porta e assiste à ruína. o alguém que abre a porta corre a contar aos outros que esperam a vez o que viu naquela sala. todos se dirigem à porta e assistem à ruína. alguém diz aqui cheira a morte. alguém regista as imagens. alguém liga para a polícia. alguém chora. alguém vomita. alguém comenta. alguém nada. no dia seguinte as televisões e os jornais falam de um grau de violência limite levado a cabo num espectáculo. criam outro espectáculo. letras gordas performer mata e viola mulher e suicida-se em seguida. crime brutal em espéctaculo. espectáculo mórbido. etc... etc... lançam a semente.

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