quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

era o tempo da realidade. os homens metiam-se em barcos demasiado frágeis e partiam para o mar. as mulheres na praia. com lenços brancos de adeus e de lágrimas. as crianças à deriva sobre a areia molhada. rebolavam até se arranharem. os homens não olhavam para trás. as mulheres e as crianças molhavam os pés. cada um tinha a sua sorte. o tempo da realidade tinha as suas orações e as suas suspeitas metafísicas. o tempo de um deus maior. os barcos eram como cascas secas no meio da água tormentosa. o medo apenas pairava sobre as cabeças. o medo nunca descia ao corpo. renegado para um fim apocalíptico. os homens sentiam a sua solidão animalesca no meio da tormenta. as mulheres e as crianças sonhavam regressos. outros vieram. aproveitaram a ausência e marcaram cruzes na terra. as casas ocupadas por corpos de fúria estranhamente cobertos pelo ruído do prazer. o vento veio e e com ele a areia cobriu a costa. as casas desapareciam com os seus enigmas. contavam-se histórias. homens sem cabeça que devoravam os olhos desconhecidos e transformavam as habitações familiares em túmulos de horror. nada disto era verdade. uma vingança desconhecida que era uma espada gigante que descia das núvens e varria tudo. tudo até só restar um silêncio. o vento rasteiro na areia. uns lenços. cabelos que voavam até baterem em troncos perdidos por ali. pela terra molhada e inquieta. pela solidão do mundo em constante transformação. como bolhas de água em ebulição. como o pensamento impossível de agarrar com as mãos. o pensamento que não se fixa. que nasce da necessidade. os homens tinham o seu segredo. tinham o crime nas mãos. regressavam na noite misteriosa e viam as mulheres mais o visitante estrangeiro. cabeças que rolavam. os gritos das crianças. as casas que se tornavam irrespiráveis sem o ar que circulava. casas obscuras. em que a areia nascia das paredes. em que os habitantes do seu dentro morriam afogados com a areia na boca nos olhos no nariz. era o tempo da realidade. da dura realidade. dos invasores. um dia os homens começaram a ir para o mar com o seu saco de ilusões. transformou-se a vida numa coisa da superfície. as mulheres e as crianças comeram o fardo insuportável do efémero. nunca mais houve crimes. nem silêncios. nem gritos. nem sonhos. nem histórias. chegaram as máquinas da distância e exterminaram as casas mais os seus habitantes. os homens viram o fumo e as manchas de pó ao longe na terra. para quê o regresso? a tormenta sempre vence. o tempo não tem aqui nenhuma palavra.

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